quarta-feira, 30 de julho de 2008

amor enxadrístico

E amor é como um jogo de xadrez. que você fica esperando a jogada do adversário pra saber o que você vai fazer depois.
Há jogo mais triste que xadrez?
Há amor mais triste que o enxadrístico?

Que o Deus venha

Sou inquieto, áspero
E desesperançado
Embora amor dentro de mim eu tenha
Só que eu não sei usar amor
Às vezes arranha
Feito farpa

Se tanto amor dentro de mim
Eu tenho, mas no entanto
Continuo inquieto
É que eu preciso que o Deus venha
Antes que seja tarde demais

Corro perigo
Como toda pessoa que vive
E a única coisa que me espera
É o inesperado

Mas eu sei
Que vou ter paz antes da morte
Que vou experimentar um dia
O delicado da vida
Vou aprender
Como se come e vive
O gosto da comida


Por Frejat e Cazuza, baseados em texto de Clarice Lispector


relacionamentismo utópico











Vou te deixar João. Pode ficar com o aquário.
Mas vou levar a água e as pedrinhas coloridas



Li, não sei onde, não sei quando, não sei porque, sobre um movimento promotor de relacionamentos saudáveis, o relacionamentismo utópico. O relacionamentismo utópico é um movimento pós-moderno que tenta promover relacionamentos onde não há desentendimentos. Nestes, os enamorados (ou não) nunca chegariam às vias de fato. Conseguiriam resolver seus dilemas sem brigas nem discussões de qualquer tipo. Enfim, dentro do relacionamentismo utópico não caberia nenhum tipo de desentendimento. Cada uma das partes cederia, deixando de lado os comportamentos idiossincráticos causadores de qualquer tipo de divergência e se preocuparia em ouvir a opinião do outro, antes de destilar suas vontades egocêntricas. No relacionamentismo utópico, o espírito do amor, agindo na história, percorreria as entranhas do relacionamento transformando tese e antítese em síntese, tornando duas pesoas totalmente diferentes em perfeitamente convergentes.
O movimento do relacionamentismo utópico deixou na sua página da web (www.relacionamentismoutopicodecuehhegel.com) uma lista com livre acesso para todos aqueles que queiram participar deste movimento, e há 28 anos promete presentear com um prêmio perene e peremptório os primeiros inscritos. Até hoje, nunca ninguém se inscreveu.


Amigo é casa


Por Capiba e Hermínio Bello

Amigo é feito casa que se faz aos poucos
e com paciência pra durar pra sempre.
Mas é preciso ter muito tijolo e terra,
preparar reboco, construir tramelas.
Usar a sapiência de um João-de-Barro,
que constrói com arte a sua residência.
Há que o alicerce seja muito resistente,
que às chuvas e aos ventos possa então a proteger.

E há que fincar muito jequitibá
e vigas de jatobá e adubar o jardim,
e plantar muita flor, toiceiras de resedás.
Não falte um caramanchão, pros tempos idos lembrar,
que os cabelos brancos vão surgindo
que nem mato na roceira que mal dá pra capinar

E há que ver os pés de manacá cheinhos de sabiás.
Sabendo que os rouxinóis vão trazer arrebóis, choro de imaginar.
Pra festa da cumieira não faltem os violões,
muito milho ardendo na fogueira
e quentão farto em gengibre aquecendo os corações.

A casa é amizade construída aos poucos
e que a gente quer com beira e tribeira.
Com gelosia feita de matéria rara
e altas platibandas, com portão bem largo
que é pra se entrar sorrindo nas horas incertas,
sem fazer alarde, sem causar transtorno.

Amigo que é amigo, quando quer estar presente,
faz-se quase transparente sem deixar-se perceber.

Amigo é pra ficar, se chegar, se achegar,
se abraçar, se beijar, se louvar, bendizer.
Amigo a gente acolhe, recolhe e agasalha
e oferece lugar pra dormir e comer.

Amigo que é amigo não puxa tapete,
oferece pra gente o melhor que tem e o que nem tem.
Quando não tem, finge que tem,
faz o que pode e o seu coração reparte que nem pão.

sábado, 26 de julho de 2008

Fragmentos da Carta a D.


"Se você se une a alguém para a vida inteira, os dois estão pondo em comum sua vida e deixarão de fazer o que divide ou contraria a união. A construção do casal é um projeto comum aos dois, e vocês nunca terminarão de confirmá-lo de adaptá-lo e de reorientá-lo em função das situações que forem mudando. Nós seremos o que fizermos juntos."

"O amor é o fascínio recíproco de duas pessoas por aquilo que elas têm de menos dizível, de menos socializável; de refratário aos papéis e imagens delas mesmas que a sociedade lhes impõe, aos pertencimentos culturais."

"Compreendi, com você que o prazer não é algo que se tome ou que se dê. Ele é um jeito de dar-se e depedir ao outro a doação de si. Nós nos doamos inteiramente um ao outro"

"Fomos feitos para nos proteger mutuamente contra ambos, e precisávamos criar juntos, um pelo outro, o lugar no mundo que originalmente nos tinha sido negado. Para isso, no entanto, seria necessário que o nosso amor fosse também um pacto para a vida inteira"

"Você acabou de fazer oitenta e dois anos. Continua bela, graciosa e desejável. Faz cinquenta e oito anos que vivemos juntos, e eu amo você mais do que nunca. Recentemente, eu me apaixonei por você mais uma vez, e sinto em mim, de novo, um vazio devorador, que só o seu corpo estreitado contra o meu pode preencher. À noite eu vejo, às vezes, a silhueta de um homem que, numa estrada vazia e numa paisagem deserta, anda atás de um carro fúnebre. Eu sou esse homem. É você que esse carro leva. Não quero assistir à sua cremação ; nem quero receber a urna com as suas cinzas. Ouço a voz de Kathleen Ferrier cantando "Die Welt ist leer, Ich will nicht leben mehr" (O mundo está vazio, não quero mais viver), e desespero. Eu vigio a sua respiração, minha mão toca você. Nós desejariamos não sobreviver à morte um do outro. Dissemo-nos sempre, por impossível que seja, que, se tivéssemos uma segunda vida iríamos querer passá-la juntos."

André Gorz, um dos grandes pensadores do séc. XX e ativista dos episódios de Maio de 68 em Paris, escreve esta carta, última carta (que pode ser encontrada em forma de livro - Carta a D. História de um amor, Cossac e Naify), para sua esposa Dorine que sofria de aracnoidite e câncer. O casal, ao ver sua vida a dois definhar lentamente com a vida de Dorien, decide cometer o suicídio. Os corpos de André e Dorine foram encontrados em 22 de setembro de 2007 em sua casa, em Vonung, repousando lado a lado. Na porta só havia um cartaz dizendo: avisem a polícia. E não houve entre nós que, sabendo desta história, não chorasse.

terça-feira, 1 de julho de 2008

Sofrimento e Medo


Por Rubem Alves


Acho que sabedoria é saber sofrer pelas razões certas. Quem não sofre, quando há razões para isso, está doente....Quem é feliz sempre e nunca sofre, padece de uma grave enfermidade e precisa ser tratada a fim de aprender a sofrer. Sofrer pelas razões certas siginifica que estamos em contato com a realidade, que o corpo e alma sentem a tristeza das perdas e que existe em nós o poder do amor. Só não sofrem, quando para isso há razões, aqueles que perderam a capacidade de amar. Toda experiência de amor traz, encolhida no seu ventre, à espera, a possibilidade de sofrer. Assim, a receita para não sofrer é muito simples: basta matar o amor.
Trecho de "Sobre o sofrimento e sobre a felicidade"


Quem, por medo do terrível, prefere o caminho prudente de fugir do risco, já nesse ato estará morto. Porque o medo lhe terá roubado aquilo que de mais preci so existe na vida humana: a capacidade de arriscar para viver o que se ama.
O medo não é uma perturbação psicológica. Ele é parte da nossa própria alma. O que é decisivo é se o medo nos faz rastejar ou se ele nos faz voar. Quem, por causa do medo, se encolhe e rasteja,vive a morte na própria vida. Quem, a despeito do medo, toma o risco e voa, triunfa sobre a morte. Morrerá, quando a morte vier. Mas só quando ela vier.
Trecho de "Tenho medo..."