terça-feira, 14 de abril de 2009

Saudade é dor

Aprendi aqui o significado do termo psicossomático. Sintomas psicossomáticos sao consequencias físicas de um mau psicológico. É como se voce tomasse um tapa num sonho e o sentisse de verdade. A dor no rosto, consequencia de um tapa que só se passa na mente, é psicossomática. Saudade dói assim. Nao se identifica sua origem numa radiografia, numa tomografia, ou no que quer que seja, mas dói, enfurecidamente. Como uma broca perfurando o coracao, como um grito que nao consegue sair, e preso, sufoca. Como um corte na garganta sangrando até a morte, lenta e cruelmente. Como eu longe de quem amo. Dá um vazio dentro, como uma dor que te impede de andar ereto, te obrigando a ficar curvado enquanto a hemorragia consome tuas forcas, teu sorriso, tua vontade, teu paladar, tua capacidade de distinguir as cores e sentir os aromas, até. E nao tem cura, nao existem analgésicos, nao há alívio.

De desejo somos


A vida, sem nome, sem memória, estava sozinha. Tinha maos mas nao tinha em quem tocar. tinha boca, mas nao tinha com quem falar. a vida era uma, e sendo uma era nenhuma.

Entao o desejo disparou sua flecha. E a flecha do desejo partiu a vida pela metade, e a vida tornou-se duas.

As duas metades se encontraram e riram. Ao se ver, riam; e ao se tocar, também.

Eduardo Galeano

À Gabriela, a outra metade partida de minha vida

Daqui eu vejo até a Europa

Quando crianca era conhecido por minhas tiradas consideradas espertas demais para minha idade. Era o divertimento da família. Já ouvi muitas histórias a esse respeito e elas sao realmente engracadas, como da vez em que fui assistir à uma aula na faculdade de meu pai e respondi uma pergunta da professora, para deleite de todos. Mas uma destas tiradas, que me foi contada por minha vó na última visita que a fiz antes de viajar, é o motivo deste post.
Contou-me que, há muitos anos atrás, ela queria deixar de morar no mesmo prédio no qual funcionava o colégio que era proprietária. Numa conversa com meu pai, na qual estava presente - e prestando atencao, como os adultos nunca acham que estao as criancas - meu pai teve a idéia de construir um primeiro andar em nossa casa para que minha vó morasse.
Intervi na conversa com uma pergunta: "Vovó, a senhora quer morar no chao (igual a térreo) ou no céu (igual a primeiro andar)". Minha vó falou-me que preferia o "chao", devido à já avancada idade. E eu, do alto dos meus cinco anos, vibrei: "É bom, porque daqui eu vejo até a Europa". Disse minha vó, nesta visita, que desde ali eu já previa o que iria acontecer mais de vinte anos depois. Nao sei, só sei que é da Europa que escrevo este post, confirmando a provável profecia de uma crianca. Nao sei, só sei que tenho que me lembrar de nunca subestimar o que uma delas diz.