quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

Um apanhador no campo de centeio, um sentinela no abismo


- Você sabe o que eu quero ser? - perguntei a ela. - Sabe o que eu queria ser? Se pudesse fazer a merda da escolha?
- O quê? Pára de dizer nome feio.
- Você conhece aquela cantiga: "Se alguém agarra alguém atravessando o campo de centeio"? Eu queria...
- A cantiga é "Se alguém encontra alguém atravessando o campo de centeio"! - ela disse. - É dum poema do Robert Burns.
- Eu sei que é dum poema do Robert Burns. Mas ela tinha razão. É mesmo. "Se alguém encontra alguém atravessando o campo de centeio". Mas eu não sabia direito. - Pensei que era "Se alguém agarra alguém" - falei. - Seja lá como for, fico imaginando uma porção de garotinhos brincando de alguma coisa num baita campo de centeio e tudo. Milhares de garotinhos, e ninguém por perto - quer dizer, ninguém grande - a não ser eu. E eu fico na beirada de um precipício maluco. Sabe o que eu tenho de fazer? Tenho que agarrar todo mundo que vai cair no abismo. Quer dizer, se um deles começar a correr sem olhar onde está indo, eu tenho de aparecer de algum canto e agarrar o garoto. Só isso que eu ia fazer o dia todo. Ia ser só o apanhador no campo de centeio e tudo. Sei que é maluquice, mas é a única coisa que eu queria fazer. Sei que é maluquice.

Colocar o título em uma obra, mesmo que seja um pequeno artigo (ou um post no blog) não é uma tarefa das mais fáceis. Muitos escrevem o texto inteiro pra depois escolherem o título, outros já começam a escrever com ele na cabeça. Título pra mim tem que impactar quem lê, ou pelo menos, deixar um rastro de curiosidade que leve o leitor a percorrer a obra inteira. "O apanhador no campo de centeio" me fez, desde o início, questionar porque a obra tinha este nome. Fiquei intrigado com o título e percorri cada página procurando entender o porquê dele. E foi justamente ao descobrir o que me intrigava que me emocionei: o trecho acima me fez lembrar de quando também queria ser um apanhador no campo de centeio e, nesta época de fim de ano, época de fazer pedidos, truxe-me o desejo de ser um sentinela no abismo novamente. Pois bem, este é o subtítulo, que eu proporia pra Salinger. E como ele, com certeza, não aceitaria, coloco como subtítulo do meu post pra ajudar a todos que querem entender melhor esta obra cercada de alguns mistérios: O assassino de John Lenon estava com "o apanhador no campo de centeio" debaixo do braço ao executá-lo com um tiro- e isso depois de pedir pro Lenon autógrafar seu exemplar do livro. Salinger também contribuiu com o mistério que cerca sua obra ao impedir que comentários, fotos ou críticas acompanhassem as edições de seus livros, além de viver como eremita, sem dar declarações ou se permitir fotografar.

Estas (más) impressões se desfizeram assim que comecei a ler o livro. Foi quando me sensibilizei com a sensibilidade de Caufield: ele têm um medidor de hipocrisia bem mais aguçado que qualquer um, e sofre com isso. Não há como chegar diante de Holden Caufield arrotando todo o sucesso deste mundo sem ser desnudado das aparências e, depois disso, perceber que sobraram apenas vaidade e arrogância. Caufield ajuda-nos a desenvolver um dispositivo contra a falsidade ao ponto de sentirmos ânsia de vômito ao nos depararmos com os que insistem em dramatizar no teatro das aparências.

Mas o que mais me marcou no livro foi a resposta de Caufield à pergunta de sua irmã - O que você quer ser? Eu também queria, Caufield, ser um sentinela no abismo: Em algum momento, em alguma hora, em algum lugar, impedir que alguém caia no abismo. Desvendar, aos olhos de muitos, a verdade e a mentira, a fantasia e o real. Aliviar a bagagem, alimentar a alma, oferecer descanso. Não deixar que caiam, despenquem. Segurá-los. E você me lembrou disso. Não quero desistir! Obrigado.

Um comentário:

Unknown disse...

Adorei MAuricio a sua resenha críotica sobre o livro e ao mesmo sobre nossa sociedade. quando puder dê uma olhadinha em minha página no recanto das letras( dani drummond)