quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

O lobo da estepe


Que outra coisa poderia eu ser senão lobo das estepes e eremita agreste no meio de um mundo de cujas ambições não partilho minimamente, e cujos prazeres nada me dizem! Não consigo agüentar muito tempo nem num teatro nem num cinema, mal posso ler um jornal, e raramente um livro contemporâneo, não consigo entender o gozo e a alegria que as pessoas procuram nos comboios e hotéis superlotados, nos cafés a abarrotar de gente, ao som de uma música opressiva e acalorada, nos bares e cabarés das elegantes cidades de luxo, nas exposições universais, nos corsos, nas conferências para devoradores de instrução, nos grandes estádios – não consigo entender nem comungar de todos esses prazeres, que até estariam ao meu alcance, e que fazem correr e suar milhares de outros. E em contrapartida, aquilo que me acontece nas minhas raras horas de alegria, aquilo que para mim é encanto, emoção, êxtase e elevação, isso o mundo só conhece, só procura e só aprecia, quando muito na poesia, porque na vida considera-o loucura. E, de facto, se o mundo tem razão, se essa música dos cafés, esses divertimentos de massas, essa gente americanizada satisfeita com tão pouco tem razão, então sou eu que estou fora da razão, então sou eu o louco, então sou eu realmente o lobo da estepe, como muitas vezes me intitulava a mim próprio, animal desgarrado num mundo que lhe é estranho e incompreensível, e que já não consegue dar com a sua terra, os seus ares, o seu alimento.

Trecho de "O lobo das estepes", de Herman Hesse

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