quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Dresden


Devia ser proibido debochar de alguém que se aventura em língua estrangeira.

Chico Buarque em Budapeste


O título deste post é Dresden porque foi nessa cidade que passei por um pouco do acontecido com José Costa em Budapeste, personagem do livro do Chico que possui o mesmo nome da capital húngara. Drrrêêêsden esteve para mim como Budapeste esteve para Zsozsé Kósta, ou melhor, o alemão foi uma desventura para este intercambista como foi o húngaro para o ghost writer das linhas de Chico Buarque. Eu sei como é gaguejar procurando palavras que você não sabe enquanto tenta se expressar sem sucesso: dói, fatiga e marca com nódoa indelével. Além de ler o livro, assisti ao filme baseado na obra e entendi perfeitamente quando José Costa sentia um cansaço imenso ao término de suas aulas de húngaro, como se um caminhão tivesse acabado de passar por cima. A língua germânica demorou - tem demorado ainda - a entrar em meus ouvidos. Debato-me, sofro, arrasto-me arfando enquanto procuro absorver um pedaço que seja deste idioma, que se não é o único que o diabo respeita, como Chico disse do húngaro, deve estar bem posicionado dentro desta escala que hierarquiza o respeito dispensado pelas hostes do inferno a todas as línguas existentes. Lembro da tortura de caminhar ao lado de um alemão que me ensinava como chegar ao consulado enquanto discorria sobre algum assunto que nunca vou saber qual é, já que não entendia uma só palavra do que ele dizia. Recordo o sofrimento de ensaiar as palavras antes do simples ato de entrar numa farmácia e comprar algum remédio para dor no estômago, das inúmeras gafes que provocaram risos em restaurantes, lojas de conveniência e outros lugares mais. Sentir-se falando “mim Tarzan, você Jane” para todo e qualquer interlocutor é semelhante a... Sei lá, lembra daqueles sonhos em que estamos andando nus pela cidade sem se dar conta disso, quando de repente todos começam a rir de nós? Pronto, esta é a sensação. No início até fugia dos vizinhos pra não ter que passar a vergonha de fazer aquela cara de quem não está entendendo nada. Cheguei a pensar que o alemão não seria pra mim, cogitei jogar a toalha e procurar algum idioma mais latino, fazer os biquinhos do francês, estudar pra obter algum certificado internacional de inglês ou qualquer coisa que me afastasse daquelas três miseráveis declinações e da tortura de nunca saber usar “der, die ou das”. Depois que cheguei de Dresden não toquei em nada que me lembrasse este trauma de passar seis meses na Alemanha sem conseguir entabular uma conversa completa sequer, e já se iam quase outros seis meses sem tocar em nada que me faça deutsch sprechen, fugindo da vergonha de topar com alguém que me pedisse – incovenientemente - “fala alemão aí”, sem contar que o tutor do meu grupo de pesquisa é alemão e insiste em tentar conversar comigo em sua língua natal, ávido para que eu responda à altura de seus arroubos germânicos enquanto que eu só me limito a dizer “gut, danke”. Esta língua de belzebu, atravessada na minha garganta, tripudiava de mim como touro brabo jogando o peão de um lado pro outro lá na terra dela e continua tripudiando depois que voltei pro lugar que devia ser meu: pegá-la pelo rabo não é tarefa pra qualquer um. Algum poeta já disse que é preciso mais de uma vida pra aprender alemão e às vezes eu sinto que precisaria de todas as reencarnações possíveis e mesmo assim só conseguiria ler Heidegger no original quando chegasse ao Nirvana. A única vez que consegui achar graça nesta língua mortal foi quando vi o Hitler de Tarantino gritar “Nein, Nein, Nein”, em Bastardos Inglórios, pra Brad Pitt gritar de volta “Yes, Yes, Yes”. Depois de ler Budapeste decidi dar mais uma chance pra língua das profundezas. José Costa tinha uma determinação que nunca vi em ninguém pra aprender aquelas palavras que o desafiavam, pelo simples prazer de desatar o nó que se dá no cérebro ao tentar falar tais idiomas proibidos. Matriculei-me num curso aqui perto de casa e fui andando hoje pra minha primeira aula pensando que seria só mais uma tentativa frustrada (não aprendi isso lá, aqui é não vai entrar mesmo) porém saí de lá achando que talvez dê, talvez eu apague as labaredas dessa língua inflamada com uma balde de obstinação, talvez eu desate esse nó e finalmente possa abrir a boca pra dizer algo que valha a pena auf deutsch e consiga, enfim, matar minha heimveh do tempo que eu tentava fazer que da minha boca saissem palavras de fogo, ainda que tortas, sem direção, sem destino.

P.S.: A foto é de Budapeste, o filme. Kriska tentado explicar onde é o lugar que José Costa apontou no mapa e ele, claro, não entende nada.



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