quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

Sobre a chuva

Hoje, quando desci do ônibus, estava chovendo. E quando a chuva começou a escorrer pelo meu corpo, lembrei que nem sempre foi assim. Nem sempre a chuva me apanhou de salto, como quem está à espreita numa tocaia. Caminhávamos, voltando pra casa ou saíndo dela, e se as nuvens prenunciassem que lá vinha um toró daqueles, lá vinha eu também com uma segurança invejável: - Não vai chover, só vai chover quando a gente chegar. - Tem certeza, Cleonardo? Não é melhor a gente correr? - Não, Tiago. Pode ficar tranquilo. Só vai chover quando a gente chegar. E por mais que o céu parecesse estar abarrotado de água, sem que as comportas do firmamento conseguissem segurar uma gota sequer, as primeiras só caíam após batermos o portão atrás de nós. Tiago dizia: - Essa tua mania ainda vai fazer com que a gente leve um toró. E eu sentia o medo em suas palavras. O medo de ter uma amigo que conseguia segurar os céus e conter a chuva, como um super-herói. Imaginava-o pensando: Como ele faz isso? Minha convicção: "Não vai chover até que cheguemos", eu sei, deixava-o aturdido. E esta cena se repetiu várias vezes, e eu sempre conseguia segurar a chuva até chegarmos em nosso destino. Arrogância de adolescente, leitor? Não sei. Só sei que foi assim.
Já na baixa adolescência, quase juventude, quando não sabíamos que os próximos acontecimentos e nossas escolhas seguintes afastariam aquela inseparável dupla dinâmica ,aconteceu, para mim, o inesperado. Voltando de não-me-lembro-onde o céu parecia, desta vez, não estar muito disposto a segurar as pancadas de água. Continuei com minha segurança costumeira: - Só vai chover quando chegarmos. Descemos a ladeira da rua da igreja correndo como loucos, com a chuva a ensopar nossas roupas. O barulho da água caindo e furando minha cabeça como uma broca só não era maior que os gritos de júbilo deTiago: - Você errou! Você errou! Não deu certo desta vez! Eu sabia, Eu sabia que isto ia acontecer um dia! Senti-me como o super-homem diante da criptonita e, ao mesmo tempo, percebi o alívio dele em se certificar que eu não tinha poderes coisíssima nenhuma. era apenas sorte-inocência-arrogância de adolescente.
Pois é, Tiago. A chuva, desde então, já não mais espera que eu chegue em casa. Acredito que com você deva acontecer o mesmo (O poder era meu, afinal) . Muita chuva já escorreu por minha face, lavando lágrimas escondidas, decepções enferrujadas, desilusões jogadas para debaixo do tapete, gritos calados, amores perdidos, arrependimentos que matam. Tanta chuva já passou e deixou um cara diferente daquele que ousava controlar o tempo. Não ouso mais. reconciliei-me com a chuva e já não a evito. Aprendi a ser pequeno, porque a chuva já caiu tanto sobre mim que entendi sua intenção: lavar a sujeira que ninguêm vê. E depois da tempestade, meu amigo, vem uma sensação de bonança inigualável. Andemos juntos novamente, mas você nã verá mais esta arrogância disfarçada de ousadia. Aprendi a inclinar-me diante daquilo que é maior do que eu: Fui entortado pelo ferreiro, quebrado e restaurado como um oleiro faz com um vaso que não mais o apreciava. Tenho histórias para te contar, e enquanto eu estiver falando, se as nuvens se prepararem para derramar suas torrentes, eu serei o primeiro a correr. Corramos juntos, mas se a chuva nos pegar apenas agradeça e sinta que ela está levando embora tuas frustrações, medos, inseguranças, derrotas, pra te deixar pronto para o que vem.

4 comentários:

Gabriela Máxima disse...

eu nunca corri com medo que a chuva me pegasse. pelo contrário, quando chovia era a maior festa, sinal de uma brincadeira que apenas a chuva nos concedia. os pingos da chuva representam, de fato, aguas que limpam, purificam nossas almas. sempre tive essa impressão. infelizmente, hoje, esses dias de banho trancendental são menos frequente.

Anônimo disse...

:)lindo texto! lindo mesmo!

Anônimo disse...

sinto saudade de um tempo que não volta...

Gabriela Máxima disse...

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