terça-feira, 23 de junho de 2009

Crônicas daqui

Esse povo daqui é meticuloso. Você chega na estacao pra apanhar o trem, ou o ônibus, e tao lá os minutos que você precisa esperar pra pegá-los. E quando o tempo destinado à esperá-los acaba o que acontece? Eles chegam! É verdade! Levanta os olhos que você vai ver o danado apontando no horizonte no minuto final. E quando ele chega, como num ritual protagonizado por máquinas educadas, todo mundo espera quem tá dentro descer pra poder entrar. E lá dentro fala-se pouco, os olhares nao se cruzam. Um dos meus passatempos preferidos é encarar as pessoas, só de relance - o que já é mais do que suficiente - e vê-las baixando o olhar (juro, é engracado). Por aqui espera-se sempre, também, o semáforo do pedestre abrir para se atravessar a rua. Há lugar pro pedestre atravessar e pra quem está de bicicleta atravessar. As calcadas também têm seus espacos divididos entre pedestres e ciclistas, os quais têm sua parte construída de tijolinhos vermelhos pra poder diferenciar da parte do pedestre, e eu já perdi a conta das vezes que levei fino de bicicleta porque tava andando no lugar à elas reservado. Pois é, tudo no seu devido lugar como o quarto de alguém que tem TOC por arrumacao. Mas há um lugar que destoa no meio desta mesmice mórbida: Quando se atravessa a Hauptbahnhof (estacao principal) em direcao ao supermercado, o Rewe, a gente dá numa rua em que os semáforos estao bem distantes do local mais cômodo de travessia e o povo (aquele mesmo povo que nao olha nos olhos, espera sempre o semáforo e pinta a calcada de vermelho para as bicicletas andarem) atravessa no meio dos carros sob o som do buzinaco, apertado entre a reforma que estao fazendo na lateral da hauptbahnhof e o terminal do outro lado da rua, de onde saem ônibus diariamente até berlim, onde sempre há aquele furdunco de feira com gente colocando as malas nos ônibus, descendo e subindo, saindo e voltando. E é aí, leitor, neste cenário que acabo de descrever, onde me sinto melhor durante o dia. Sim, porque passo nessa rua quase todo dia, exercitando o velho "agora dá" que tanto pratico na minha terra. Esta descontrucao da meticulosidade germânica alimenta minha alma com a sensacao de algo muito familiar. É engracado ver os sisudos cidadaos de Dresden dando carreira pra atravessar, entre um carro e outro, driblando os ônibus, constrangidos por nao estarem sobre a faixa de pedestres nem respaldados pela luz verde do semáforo. Meu dia se regozija em ver quebrado este ritmo de linha de producao indefectível. Esta ilha de improviso no meio de um mar de tédio-certinho-demais enche de graca o dia que vou ter pela frente ajudando-me a sacudir a poeira da melancolia e levantar os olhos pro que há de vir, pensar em quem me espera, olhar pros lados e sorrir, e seguir em frente.

4 comentários:

Gabriela Máxima disse...

Eu sei que o trânsito caótico de recife é infernal. Mas é diversão garantida, aventura melancólica. Apesar de tudo...

c. disse...

e se tivesse um lugar meticuloso onde as pessoas se olhassem nos olhos?

bom demais pra ser verdade.

Unknown disse...

Faltou comentar que quando um brasileiro fura o sinal, a alemãzada vem atrás!!Ah vem..

Anônimo disse...

PQ vc perece triste? Escreves com um ar de tristeza que prende os meus olhos e não consigo parar de ler...