quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Aprendi a perder

A ditadura do triunfalismo sempre imperou no reino dos adesivos de carro. Dos clichês como "a força da sua inveja é a velocidade do meu sucesso", passando pelas mentiras do tipo "sou feliz por ser ...", até a hipocrisia do "propriedade exclusiva de jesus". Aliás, jesuses não faltam aos adesivos dos carros, que servem como patuás num rito mágico onde se usa um nome de quem não se conhece para se proteger do mal desconhecido. Sempre senti embrulho no estômago com a sessão de auto-ajuda sobre rodas nos dizeres dos "pensadores" do asfalto, que fazem força para passar a idéia de um mundo falso no qual todos são felizes, bebês estão a bordo, casados recém-se-amam, shakes emagrecedores se vendem e as piadas sempre têm graça.
É fácil fugir do que incomoda, varrer os cacos do fracasso pra debaixo do tapete e expor a falsidade das vitórias falsas, o engano das aparências enganosas. Mas aquilo que incomoda nos eleva a uma perpcepção que extrapola o medíocre - e nada melhor que emergir do mar de mediocridade. Vi esta frase num adesivo de carro: "Aprendi a perder, com isso só ganhei". Queria saber quem teve a idéia de pregar esta ode à derrota pra todo mundo ver, e por que? Com certeza esta pessoa tem mais pra dizer e temos mais a aprender com ela. No meio do trânsito, em meio às derrotas e fracassos, muito mais comuns do que mostra a televisão, com suas novelas, e dizem as igrejas, com seu vício de prosperidade, deparar-se com este adesivo é lembrar que "quem sempre quer vitória perde a glória de chorar". Quão diferente não deve ser Vanderley Cordeiro de Lima, o maratonista que perdeu o ouro olímpico ao ser atrapalhado na reta final da corrida e depois do acontecido receber uma medalha de ouro de presente de outro atleta brasileiro? Que experiência não pode nos contar Felipe Massa, que soube o que é ser campeão do mundo de fórmula 1 e deixar de sê-lo em 38 segundos e ver, depois disso, a torcida gritar, eufórica, seu nome? Pense no que um péssimo e frustrado bancário, demitido por causa de seu pífio desempenho, fruto de uma inabilidade inata com vendas e finanças, e que, passou, ainda, pelo baque de ter perdido o dinheiro que investiu numa empresa de produtos pra emagrecer, pode te dizer agora que encontrou a carreira que o realiza, totalmente oposta do que fazia antes? E o que você tem a nos dizer?
Lembre-se do que meu pai sempre me dizia quando eu era guri e ficava bravo quando perdia os campeonatos de pelada aqui da minha rua: "Aprender a perder é bem mais difícil do que ganhar". Quando isto acontecer, somente ganharemos.

6 comentários:

Gabriela Máxima disse...

quando tu me disse no carro sobre o que leu em outro carro, eu tive certeza que vc ia escrever alguma coisa relacionado a perder e ganhar. incrível!
aqui se fala de pessoas que perderam e logo depois ganharam algo bem melhor, realizador, satisfatório, etc. e penso eu, aquelas pessoas que simplesmente perdem?

Cleonardo Mauricio disse...

As pessoas que simplesmente perdem sofrem. E, como disse Rubem Alves, "quem não sofre, quando há razões para isso, está doente....Quem é feliz sempre e nunca sofre, padece de uma grave enfermidade e precisa ser tratada a fim de aprender a sofrer. Sofrer pelas razões certas siginifica que estamos em contato com a realidade, que o corpo e alma sentem a tristeza das perdas e que existe em nós o poder do amor".

c. disse...

poxa, me arrepiei lendo algumas partes desse texto. essa coisa do aprender a perder sempre foi um tema que te fascina, né? eu tô ligada, acho massa tbm. :}
realmente, não é em qualquer carro que se acha "Aprendi a perder, com isso só ganhei". parabéns por isso ter-lhe chamado a atenção.
e adorei a frase do seu pai! agora tbm poderíamos dizer que "aprender a perder pode ser relativamente mais fácil do que ganhar tbm". porque? porque normalmente a gente perde muito mais do que ganha, então as oportunidades de se aprender a perder são mais frequêntes do que as oportunidades de ganhar. tipo, o exercício de aprender a enxergar certos tipos de facilidades em tarefas aparentemente difíceis é uma estratégia inteligente.
sim, me emocionei com a história do "bancário frustrado", viu. hehe! me senti feliz por tu, foi uma experiência rica. não são todos que aprendem a perder, não!
e por fim: gostei da reflexão de Segredos à meia-luz - e as pessoas que sempre perdem? eu entendi o que vc disse sobre o sofrimento. e faz muito sentido essa idéia de que quem não sofre, precisa de tratamento. mas o fato é que me preocupo com aqueles que somente sofrem pq são muitos. pq existem aqueles que têm amor, mas sofrem tanto? aí eu diria que a falta de amor não é nele, e, sim, na sociedade, naqueles que deveriam acolhê-lo e não o fazem. enfim, é isso.
falei demais!
xêru

Wellington disse...

Sua reflexão fez com que eu me lembrasse de um encontro único que tive quando estuda no CCSA. Estava entrando no prédio, quando uma senhora negra, baixa, com dentes da frente faltando, cheirando a álcool e com uma postura muito elegante, apesar das roupas surradas, pediu uma "ajuda" estendendo a mão em forma de concha. Olhei-a nos olhos de forma amigável e falei algo do tipo...peraí que eu vou ver se tenho trocado, ao que ela respondeu: Não tem nehum problema senhor, eu posso esperar. Eu continuei revirando a bolsa atráz da moeda, mas não pude deixar de olhá-la novamente. Então falei, a senhora é muito educada. A impressão que tive foi de que esta frase funcionou como um detonador dentro dela. Seus olhos brilharam de luz e lágrimas e em rápidos 40 minutos ela contou-me sua vida. Ele tinha 55 anos, quando jovem foi prostituta na Rio Branco, de alguma maneira que eu não me recordo agora, foi trabalhar como prostituta na Itália deixando com a mãe dois filhos. Duas décadas depois, quando o viço acabou, e provavelmente e grana também, ela voltou. Comprou uma casa, mas não conseguiu reconquistar os filhos, apesar de tê-los mantido durante este período Conheceu vários países da europa e falou comigo em três línguas além do português. Ela devia falar bem, pois entendi as três(italiano, francês e inglês) cantou quase que de forma lírica duas canções e filosofou uma filosofia sem esteio teórico, mas com profundidade empírica. Ela confessou-me que iria comer alguma coisa e berber(pinga) com o dinheiro que conseguisse para poder dormir.Falou-me que ganhou muito e perdeu tudo! Mas, que a perda que mais sentia era a perda daquilo que nunca teve, o amor dos filhos e netos. Ao final, desisti da moeda e dei-lhe R$5,00. afinal tratava-se de uma dama! A frase com a qual nos despedimos, depois de trocarmos beijos nas costas das mãos(iniciativa dela) pagou a aula que perdi e que também não tenho a mínima idéia do que era. Vc é um verdadeiro cavalheiro!(em inglês!!!) Eu perguntei pq(em português :P). A resposta: Você Conseguiu perceber a dama que mora dentro de mim. Despediu-se e caminhou de forma ereta e elegante apesar de cambaleante. Nunca esqueci daquela senhora!

Gabriela Máxima disse...

quando eu perguntei por aquelas pessoas que simplesmente perdem não tava falando da perda seguida de ganhos, mesmo que demore um pouco. eu sei, existe! concordo que perder é sofrer e com o sofrimento vem à tona a realidade tão necessária a todos os humanos. mas eu pensei naquelas pessoas que não sabem muito bem o que é 'ganhar', pensei nos mendigos, meninos de rua e tantas outras pessoas que podemos imaginar miseráveis, não precisamos ir longe pra assistir nas calçadas dezenas de pessoas esquecidas que, acredito, (quase) nunca ganham algo realmente digno de satisfação.
acho até que o sofrimento é saudável, aquele velho "ajuda a viver", mas até que ponto? eu acho que fui bem mais além na minha reflexão.

Cleonardo Mauricio disse...

Gabriela,

Entendo q vc foi mais além. A sua reflexão e a de Carla realmente trazem um aspecto do sofrimento que não abordei. Não aquele sofrimento que é imanente, mas vcs fralam do sofrimento dos que sempre ganahm porque roubam dos que sempre perdem. Este sofrimento é social, causa da injustiça e desigualdade. Ainda ecreverei sobre ele.

Obrigado