segunda-feira, 28 de junho de 2010

Como se dissesse água

A Pilar, como se dissesse água

Folheei o livro na livraria, vi essa dedicatória e pensei que ninguém jamais escreveria algo assim como ele fez. Amar alguém como se precisasse de água transcende tudo que se pode falar de amor, mais do que S. Paulo quando disse deque nada adiantaria falar a língua dos homens e dos anjos se não houver amor. Imaginei um moribundo que, tendo acabdo de atravessar um deserto, clama por água para não sucumbir à morte, não se entregar à perdição, viver, e só . E pensei em como seria essa tal Pilar, digna de tão profundo amor. Comecei a folhear os livros que estavam à mão em busca das dedicatórias e me deparei com "A Pilar, que não deixou que eu morresse", essa em tom de epitáfio, e "A pilar, minha casa", tão básica e profunda quanto a primeira, porque beber e morar, sorver e viver são palavras inseparáveis. "Minha casa" estava num livro que eu me arrastava a ler, pois não me agradava o início e eu achava que estava destinado a ser mais um na minha lista dos livros que comecei e nunca terminei. Mas eis que a "morte" falha em enviar a tal carta ao violoncelista e, a partir daí, o livro me agarra com as garras que ninguém poderia se soltar e cada linha, então, passou a matar minha sede, construir para mim uma casa, enchendo-me de êxtase e paixão. Nas últimas linhas eu estava deitado no sofá, estava frio, a sala não tinha aquecimento e era inverno em Porto e na cama ao lado estava ela deitada, como se pedisse água, enquanto eu me deleitava naquelas últimas palavras do livro desejando que tudo aquilo, o livro, aquelas férias, nunca acabassem. Lembro de minhas lágrimas após o ponto final, dela exclamando que o livro devia ser realmente bom, e de que depois nós nos amamos no frio de poucos graus, mas quentes como água a ferver. Decidi que ia escrever sobre estas dedicatórias um dia, que escreveria também sobre a sensação indescritível que senti ao terminar "as intermitências da morte", semelhante ao misto de apreensão e efervescência ao encerrar "Ensaio sobre a cegueira" e do pranto que verti na sala de cinema ao ver este livro transformado em filme pela câmera de Fernando Meireles. Saramago tornou-se meu escritor preferido a partir de então e agora que ele se foi decidi escrever sobre tudo aquilo que se passou ali, naquela sala fria, recheada de lágrimas da intermitência e do calor do amor inspirado por ele, vivido por ele, reprisado por mim.

Adeus Saramago

domingo, 27 de junho de 2010

sem eles

Já faz alguns meses que paro na frente do computador e escrever algo pra postar aqui, mas não sai nada (escrever dói). E enquanto digito isso algo me impele a parar de escrever e desistir, dizendo que não vai sair nada, de novo. Mas eu tô com saudade deste espaço, de dizer algo que valha, de escrever sobre algo que não seja sociologia ou antropologia. Li um texto cômico de Veríssimo, pensei em colocar algo engraçado aqui, mas não sei escrever comédia. Discuti com minha namorada sobre Lady Gaga e pensei em fazer uma análise sociológica dessa cantora do nada, mas tô sem saco pra escrever sobre industria cultural, hiper-realidade, e essas coisas. Poesia, eu não sei fazer, conto e crônica também não vão sair: muito tempo parado pra que saia algo do tipo. Mas hoje eu decidi que iria postar algo, nem que fosse alguma coisa sobre a ausência de minha escrita, deste hiato de sensibilidade, do esfriamento no carisma de escritor (que eu posso nem sequer ter – o que tem uma enorme chance de ser um fato). E aí vim aqui escrever por escrever, só pra preencher um espaço e espanar a poeira deste lugar, que eu já freqüentei mais e recheei mais de sentimentos. Acho que tô sem eles

quarta-feira, 21 de abril de 2010

When I´m through with you...

O que é bom sempre acaba logo.

In your hands



Mother,
I've gotta get out of here
So I can save our family
From this poverty
And when I make my money
I'll send it back to you

Father,
Give me strength, I pray
I have to end this misery
It's causing too much pain
I'm gonna look for richer lands
Where the money's made

I'm gonna put my whole world
In your hands
I have to put my whole world
In your hands
In your hands

Mister,
Please let me work somehow
You've kept me waiting eighteen months
And still I'm not allowed
And everytime you promise me :
"Not much longer now "

I've to put my whole world
In your hands
You've got my whole world
In your hands
In your hands
Listen to me, listen to me

Mister,
Mr ! You say you're trying
But don't you know my brother's dying
You say "It won't be long"

But why am I so cursed
For where I am born ?

You've got my whole world
In your hands
I've had to put my whole world
In your hands
I'm gonna put my whole world
In your hands
I've had to put my whole world
In your hands
In your hands.

In your hands (Charlie Winston)

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Dresden


Devia ser proibido debochar de alguém que se aventura em língua estrangeira.

Chico Buarque em Budapeste


O título deste post é Dresden porque foi nessa cidade que passei por um pouco do acontecido com José Costa em Budapeste, personagem do livro do Chico que possui o mesmo nome da capital húngara. Drrrêêêsden esteve para mim como Budapeste esteve para Zsozsé Kósta, ou melhor, o alemão foi uma desventura para este intercambista como foi o húngaro para o ghost writer das linhas de Chico Buarque. Eu sei como é gaguejar procurando palavras que você não sabe enquanto tenta se expressar sem sucesso: dói, fatiga e marca com nódoa indelével. Além de ler o livro, assisti ao filme baseado na obra e entendi perfeitamente quando José Costa sentia um cansaço imenso ao término de suas aulas de húngaro, como se um caminhão tivesse acabado de passar por cima. A língua germânica demorou - tem demorado ainda - a entrar em meus ouvidos. Debato-me, sofro, arrasto-me arfando enquanto procuro absorver um pedaço que seja deste idioma, que se não é o único que o diabo respeita, como Chico disse do húngaro, deve estar bem posicionado dentro desta escala que hierarquiza o respeito dispensado pelas hostes do inferno a todas as línguas existentes. Lembro da tortura de caminhar ao lado de um alemão que me ensinava como chegar ao consulado enquanto discorria sobre algum assunto que nunca vou saber qual é, já que não entendia uma só palavra do que ele dizia. Recordo o sofrimento de ensaiar as palavras antes do simples ato de entrar numa farmácia e comprar algum remédio para dor no estômago, das inúmeras gafes que provocaram risos em restaurantes, lojas de conveniência e outros lugares mais. Sentir-se falando “mim Tarzan, você Jane” para todo e qualquer interlocutor é semelhante a... Sei lá, lembra daqueles sonhos em que estamos andando nus pela cidade sem se dar conta disso, quando de repente todos começam a rir de nós? Pronto, esta é a sensação. No início até fugia dos vizinhos pra não ter que passar a vergonha de fazer aquela cara de quem não está entendendo nada. Cheguei a pensar que o alemão não seria pra mim, cogitei jogar a toalha e procurar algum idioma mais latino, fazer os biquinhos do francês, estudar pra obter algum certificado internacional de inglês ou qualquer coisa que me afastasse daquelas três miseráveis declinações e da tortura de nunca saber usar “der, die ou das”. Depois que cheguei de Dresden não toquei em nada que me lembrasse este trauma de passar seis meses na Alemanha sem conseguir entabular uma conversa completa sequer, e já se iam quase outros seis meses sem tocar em nada que me faça deutsch sprechen, fugindo da vergonha de topar com alguém que me pedisse – incovenientemente - “fala alemão aí”, sem contar que o tutor do meu grupo de pesquisa é alemão e insiste em tentar conversar comigo em sua língua natal, ávido para que eu responda à altura de seus arroubos germânicos enquanto que eu só me limito a dizer “gut, danke”. Esta língua de belzebu, atravessada na minha garganta, tripudiava de mim como touro brabo jogando o peão de um lado pro outro lá na terra dela e continua tripudiando depois que voltei pro lugar que devia ser meu: pegá-la pelo rabo não é tarefa pra qualquer um. Algum poeta já disse que é preciso mais de uma vida pra aprender alemão e às vezes eu sinto que precisaria de todas as reencarnações possíveis e mesmo assim só conseguiria ler Heidegger no original quando chegasse ao Nirvana. A única vez que consegui achar graça nesta língua mortal foi quando vi o Hitler de Tarantino gritar “Nein, Nein, Nein”, em Bastardos Inglórios, pra Brad Pitt gritar de volta “Yes, Yes, Yes”. Depois de ler Budapeste decidi dar mais uma chance pra língua das profundezas. José Costa tinha uma determinação que nunca vi em ninguém pra aprender aquelas palavras que o desafiavam, pelo simples prazer de desatar o nó que se dá no cérebro ao tentar falar tais idiomas proibidos. Matriculei-me num curso aqui perto de casa e fui andando hoje pra minha primeira aula pensando que seria só mais uma tentativa frustrada (não aprendi isso lá, aqui é não vai entrar mesmo) porém saí de lá achando que talvez dê, talvez eu apague as labaredas dessa língua inflamada com uma balde de obstinação, talvez eu desate esse nó e finalmente possa abrir a boca pra dizer algo que valha a pena auf deutsch e consiga, enfim, matar minha heimveh do tempo que eu tentava fazer que da minha boca saissem palavras de fogo, ainda que tortas, sem direção, sem destino.

P.S.: A foto é de Budapeste, o filme. Kriska tentado explicar onde é o lugar que José Costa apontou no mapa e ele, claro, não entende nada.



segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Los cerezos

Quiero Hacer contigo lo que la primavera hace con los cerezos
Pablo Neruda

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

O lobo da estepe


Que outra coisa poderia eu ser senão lobo das estepes e eremita agreste no meio de um mundo de cujas ambições não partilho minimamente, e cujos prazeres nada me dizem! Não consigo agüentar muito tempo nem num teatro nem num cinema, mal posso ler um jornal, e raramente um livro contemporâneo, não consigo entender o gozo e a alegria que as pessoas procuram nos comboios e hotéis superlotados, nos cafés a abarrotar de gente, ao som de uma música opressiva e acalorada, nos bares e cabarés das elegantes cidades de luxo, nas exposições universais, nos corsos, nas conferências para devoradores de instrução, nos grandes estádios – não consigo entender nem comungar de todos esses prazeres, que até estariam ao meu alcance, e que fazem correr e suar milhares de outros. E em contrapartida, aquilo que me acontece nas minhas raras horas de alegria, aquilo que para mim é encanto, emoção, êxtase e elevação, isso o mundo só conhece, só procura e só aprecia, quando muito na poesia, porque na vida considera-o loucura. E, de facto, se o mundo tem razão, se essa música dos cafés, esses divertimentos de massas, essa gente americanizada satisfeita com tão pouco tem razão, então sou eu que estou fora da razão, então sou eu o louco, então sou eu realmente o lobo da estepe, como muitas vezes me intitulava a mim próprio, animal desgarrado num mundo que lhe é estranho e incompreensível, e que já não consegue dar com a sua terra, os seus ares, o seu alimento.

Trecho de "O lobo das estepes", de Herman Hesse