sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

Mensagem numa garrafa à Clarice


Uma das minhas maiores angústias e decepções é não ter te conhecido. Pior, nunca vou poder te conhecer. Sim, tenho os teus livros, mas queria poder ouvir a tua voz. Estar perto. E você me diria como consegues ler meus pensamentos, tanto que se acreditasse em vidas passadas juraria termos sido grandes amigos em muitas delas, e você, minha confidente, saberia tudo de mim, e é assim que essas memórias, regressas de outrora, desfilam na tua caneta como numa adivinhação assustadora. Tenho medo de você, mas te desejo. Repeles-me e atrais-me, tudo ao mesmo tempo agora. Queria passear com você pelas pontes do Recife, e bebericar um pouco contigo no Catamarã e ver o teu sorriso brotar desses lábios que tudo sabem, tudo dizem. Quem sabe sairíamos para conversar: Eu, você e Drummond. E aí ouviria você falar sem parar e embolar as palavras, resultado da garrafa de vinho já seca. E aí eu te levaria em casa, viria você tirando as sandálias e olharia para teus pés ucranianos (devem ser grandes - nada delicados), mas provavelmente prestaria mais atenção na tua silhueta já abrasileirada, nos teus lábios universais e pediria, só mais um pouquinho, que não dormisses e ficasse ali comigo conversando, porque quando amanhecesse e eu acordasse, descobriria que tudo não passou de um sonho. Tudo se dissiparia. Hoje, quando acordei estiquei os braços para apanhar “a hora da estrela”, a fim de começar bem o dia. Ao abrir reconheci tua letra: Obrigado por sua companhia ontem à noite, Cleo. Por isso te escrevo, pra te dizer: Obrigado, também. Por tudo.


Cleonardo

21/12/2007

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