Trechos do texto "Fermento na Massa"
Por Frei Betto
"...Dentro desse contexto, anunciar o Reino de Deus, um outro reino que não o de César, era o mesmo que, hoje, propagar um outro sistema social que não o capitalismo. Esta a subversão de Jesus: desmerecer o reino de César em favor do reino de Javé, o Deus dos judeus. Os romanos respeitavam a crença judaica, desde que o povo se sujeitasse a ser vassalo de Roma. Porém, por que suplicar a Javé “venha a nós o vosso reino”?
Jesus nem sequer possuía uma moeda romana quando lhe perguntaram se era lícito pagar imposto a Roma. E ao responder “dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus” os fariseus entenderam o recado: esta terra não é de César, como é esta moeda. Esta terra é de Deus e, portanto, não se justifica a sua dominação por estrangeiros.
“Seja feita a sua vontade assim na terra como no céu”. No céu predomina, todos sabemos, a vontade de Deus. Jesus propugna que o mesmo ocorra na Terra. E a vontade de Deus é que todos “tenham vida e vida em abundância” (João 10, 10). Portanto, ao contrário do reino de César, no de Deus não há lugar para a opressão, a discriminação, a exclusão.
Indignado com a pretensão de Jesus, Pilatos mandou afixar na cruz a inscrição: “Rei dos judeus”. Era a forma de desmoralizar a descabida proposta de contrapor ao todo poderoso reino de César um outro reino, o reino do Pai nosso que está no céu e que haverá de assegurar a todos o “pão nosso”, os bens necessários a uma vida digna e feliz.
Para Jesus, o Reino de Deus não se situava “lá em cima” e sim lá na frente, no horizonte histórico. Não na utopia, que significa “lugar nenhum”, e sim da eutopia, um “lugar muito bom”.
Hoje, o reino capitalista neoliberal, hegemonizado pelo governo dos EUA e idolatrado na onipresença do Mercado, se contrapõe ao Reino de Deus, cujas características estão descritas no Sermão da Montanha: viveremos sem ambições desmedidas, com espírito despojado; promoveremos a paz; teremos fome e sede de justiça; seremos misericordiosos; agiremos com mansidão; e encararemos como bênção, e não como maldição, a perseguição por causa da justiça.
Resta-nos transformar os valores de nossa espiritualidade em projetos políticos, de modo a fazer de nossa fé efetivo fermento na massa."
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