Agora me lembrei de que houve um tempo em que para me esquentar o espírito eu rezava: o movimento é espírito. A reza era um meio de mudamente e escondido de todos atingir-me a mim mesmo. Quando rezava conseguia um oco de alma – e esse oco é o tudo que posso eu jamais ter. Mais do que isso, nada. Mas o vazio tem o valor e a semelhança do pleno.
Clarice Lispector em “A Hora da Estrela”
Cansei da visão utilitarista da oração: Orar como forma de manipular o divino a fim de que ele conspire ao meu favor. Oração não é um meio, é um fim em si mesmo, porque ela existe como contemplação, como uma conversa onde as máscaras que utilizamos na dramaturgia do cotidiano são jogadas fora a fim de sermos quem realmente somos. Oração é conversa de pé de ouvido. É estar lá por que é lá que se quer estar, e em nenhum outro lugar. É querer somente conversar com um amigo que também só quer conversar, porque você precisa de alguém pra te ouvir e ele também. Oração não é uma apresentação de uma lista de presentes como se faz com papai-noel no Natal: É chegar ao “tudo que posso eu jamais ter”. É chegar de mãos vazias com a possibilidade de voltar de lá ainda com as mãos vazias (de materialismo), sabendo, porém, que este “vazio” tem “o valor e a semelhança do pleno”. A tentativa de manipular o sagrado não advém da religião, é feitiçaria. O que realmente fazem os xamãs neopentecostais, em sua tentativa de “mover o braço de Deus” ao seu bel prazer, é afastar, pra bem longe, Aquele que divide os homens em humildes e arrogantes e escolhe ficar, sempre, ao lado dos humildes, dos publicanos (da parábola contada por Jesus e intitulada de “O fariseu e o publicano) que sempre dizem: Tem misericórdia de mim, pecador! Ao invés de se arrogar como os fariseus: Ainda bem que não sou como este publicano!
Sim, não é fácil ter esta postura de contemplação quando estamos cercados de visões utilitaristas, funcionalistas, consumistas, hedonistas, feiticeiras, espúrias e manipuladoras. Porém, temos o mapa de uma oração ideal. Há um roteiro que podemos seguir na oração que o próprio Jesus nos ensinou. Nela apreendemos um pouco do caráter do Pai, e entendendo-o mais, poderemos chegar até Ele da melhor maneira possível. Vejamos alguns trechos da oração que ficou conhecida como o “Pai Nosso”:
Pai Nosso
Não é à toa que Jesus não começa a oração com termos como “Oh, grandessíssimo pai de luz ou “Oh, inominável ser de infinita grandeza”. Ele começa a conversa de pé de ouvido chamando Deus de Pai: é assim que Ele quer ser conhecido. Ele não é um velho carrancudo sentado num trono brincando de lançar tribulações sobre as suas criaturas perdidas num labirinto opressor. Ele é Pai. Aquele com o qual podemos contar ainda que nem tudo vá bem. E o pai não é meu nem seu, é nosso. Ou seja, nem ninguém, nem nenhuma instituição, possuem a exclusividade de sua presença, de sua amizade, de seus ouvidos. Kierkgaard pergunta: Quando alguém, de coração falso ora ao Deus verdadeiro e outro alguém de coração verdadeiro, ora a um deus falso, que oração o Deus verdadeiro vai ouvir? A oração que brota de um coração falso nunca será ouvida.
Nenhuma religião, qualquer nome que ela tenha, ainda que tente (e muito), pode impor barreiras e monopolizar o contato com Aquele que é Pai Nosso, nem substituir a intimidade que podemos ter com Ele na solidão e quietude de nosso quarto, ao reclinarmos nossas cabeças, para, no oco de nossa alma, termos sua presença preenchendo tudo com o que é pleno.
Que estás nos céus
Ele não se encontra num prédio enorme no centro da cidade com uma secretária horrível na porta distribuindo senhas que vão até o infinito. Nem pode ser invocado segundo os nossos caprichos como o gênio da lâmpada mágica (Se bem que há igrejas “vendendo” estas “lâmpadas” para os mais desavisados). Onde é o céu? O homem já pisou na lua, sondas já alcançaram Marte e ninguém viu a Deus. Ele não está ao alcance de nossas mãos (falando em termos de matéria). Se assim fosse, Ele seria um instrumento, não Deus, e o buscaríamos sempre como um oráculo, nunca como um Pai. Sendo assim, precisamos encontrá-lo na quietude mais recôndita de nossa alma, em nossa atitude de nos desligarmos da correria da roda-viva da vida para com ele conversar. Esta distância física, imbuída de uma proximidade só alcançada por nosso espírito é um exercício de fé, de crer no que não podemos ver. Os céus precisam ser abertos por corações de crianças que acreditam chegar num lugar, pela circunspecção da fé, onde ninguém pode alcançá-las ou incomodá-las, nem assustá-las.
Santificado seja o teu nome
De onde vem nossa necessidade de sermos reconhecidos? A solidão de Deus, a solidão eterna da trindade antes de ser criado alguém que o amasse não como os anjos, criados para isso, mas por opção, e a sua necessidade infinita de relacionamento ficam claras quando Jesus nos convida a santificarmos Àquele que é santo.
Venha o teu reino
O reino de Deus só é percebido pelas igrejas institucionais, evangélicas ou católicas – não se esquecendo do movimento da missão integral naquelas nem das pastorais nestas – num sentido escatológico, ou seja, na perspectiva de que a vontade divina só se realizará na plenitude dos tempos. Enquanto isso, as igrejas vestem a carapuça de “ópio do povo” esquecendo que o Reino e seus valores devem ser implantados, ainda que não plenamente, como numa maquete, desde já. E no reino de Deus não há desigualdade, não há uma população de milhões vivendo abaixo da linha da pobreza, nem empregadas domésticas espancadas nas paradas de ônibus, muito menos mendigos sendo queimados enquanto dormem. No Reino de Deus há justiça, porque o Reino é justiça, paz e alegria (Rom 14:17). E anular esta faceta do reino em detrimento de um individualismo que não é bíblico, pelo contrário, é fruto da modernidade narcisista, e calar-se diante das mazelas que assolam nossa sociedade, é pregar quaisquer valores, menos os do verdadeiro Reino.
Assim, sejamos como o publicano da parábola, entendamos o Pai, oremos o Pai Nosso. Não como um mantra, mas como um estilo de vida.
Oremos.
Cleonardo
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