segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

Poema em Linha Reta

Conheci esta poesia através de Mônica, grande amiga. Ela me disse que havia lido e lembrado de mim. Eu, quando o li, morri de inveja de Pessoa e achei que eu, e não ele, deveria ter escrito este poema. Sim, eu sei, é muita pretensão: Nunca teria escrito desta maneira - é melhor que tenha sido Pessoa, então. Tomo-o, assim, emprestado, como se fosse meu, como se eu o estivesse lendo em voz alta, melhor, gritando pra todo mundo ouvir. Posto-o aqui com vontade de colocá-lo num outdoor pra que todo mundo que passasse pudesse lê-lo. Aí vai:

Álvaro de Campos (Fernando Pessoa)


Nunca conheci quem tivesse levado porrada.Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.

E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.

Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...

Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,

Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?

Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?

Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.

2 comentários:

c. disse...

"Eu que já não sou assim, muito de ganhar..."
NÉ?
"E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído."
Essa frase, pra mim, é imensamente profunda!
Me identifiquei nela. Demais!
É como se eu assumisse o quão ridícula sou, às vezes, sem que tenha motivos; ou o quanto desperdiço as oportunidades de não sê-la.
Oh céus...
Belíssima escolha! Fernando Pessoa é um dos poucos que me toca.

c. disse...

Outra coisa, adorei essa parte:
"Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho..."

É! Eu vivo fazendo isso! Outro dia passei 48 horas sem tomar banho. Que decadência!