quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

Receita de Ano Novo

Para você ganhar belíssimo Ano Novo
cor do arco-íris, ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação com todo o tempo já vivido
(mal vivido talvez ou sem sentido)
para você ganhar um ano
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser;
novo
até no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior)
novo, espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come, se passeia,
se ama, se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,
não precisa expedir nem receber mensagens
(planta recebe mensagens?
passa telegramas?)

Não precisa
fazer lista de boas intenções
para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar arrependido
pelas besteiras consumadas
nem parvamente acreditar
que por decreto de esperança
a partir de janeiro as coisas mudem
e seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados, começando
pelo direito augusto de viver.

Para ganhar um Ano Novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre.

Carlos Drummond de Andrade

quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

Um apanhador no campo de centeio, um sentinela no abismo


- Você sabe o que eu quero ser? - perguntei a ela. - Sabe o que eu queria ser? Se pudesse fazer a merda da escolha?
- O quê? Pára de dizer nome feio.
- Você conhece aquela cantiga: "Se alguém agarra alguém atravessando o campo de centeio"? Eu queria...
- A cantiga é "Se alguém encontra alguém atravessando o campo de centeio"! - ela disse. - É dum poema do Robert Burns.
- Eu sei que é dum poema do Robert Burns. Mas ela tinha razão. É mesmo. "Se alguém encontra alguém atravessando o campo de centeio". Mas eu não sabia direito. - Pensei que era "Se alguém agarra alguém" - falei. - Seja lá como for, fico imaginando uma porção de garotinhos brincando de alguma coisa num baita campo de centeio e tudo. Milhares de garotinhos, e ninguém por perto - quer dizer, ninguém grande - a não ser eu. E eu fico na beirada de um precipício maluco. Sabe o que eu tenho de fazer? Tenho que agarrar todo mundo que vai cair no abismo. Quer dizer, se um deles começar a correr sem olhar onde está indo, eu tenho de aparecer de algum canto e agarrar o garoto. Só isso que eu ia fazer o dia todo. Ia ser só o apanhador no campo de centeio e tudo. Sei que é maluquice, mas é a única coisa que eu queria fazer. Sei que é maluquice.

Colocar o título em uma obra, mesmo que seja um pequeno artigo (ou um post no blog) não é uma tarefa das mais fáceis. Muitos escrevem o texto inteiro pra depois escolherem o título, outros já começam a escrever com ele na cabeça. Título pra mim tem que impactar quem lê, ou pelo menos, deixar um rastro de curiosidade que leve o leitor a percorrer a obra inteira. "O apanhador no campo de centeio" me fez, desde o início, questionar porque a obra tinha este nome. Fiquei intrigado com o título e percorri cada página procurando entender o porquê dele. E foi justamente ao descobrir o que me intrigava que me emocionei: o trecho acima me fez lembrar de quando também queria ser um apanhador no campo de centeio e, nesta época de fim de ano, época de fazer pedidos, truxe-me o desejo de ser um sentinela no abismo novamente. Pois bem, este é o subtítulo, que eu proporia pra Salinger. E como ele, com certeza, não aceitaria, coloco como subtítulo do meu post pra ajudar a todos que querem entender melhor esta obra cercada de alguns mistérios: O assassino de John Lenon estava com "o apanhador no campo de centeio" debaixo do braço ao executá-lo com um tiro- e isso depois de pedir pro Lenon autógrafar seu exemplar do livro. Salinger também contribuiu com o mistério que cerca sua obra ao impedir que comentários, fotos ou críticas acompanhassem as edições de seus livros, além de viver como eremita, sem dar declarações ou se permitir fotografar.

Estas (más) impressões se desfizeram assim que comecei a ler o livro. Foi quando me sensibilizei com a sensibilidade de Caufield: ele têm um medidor de hipocrisia bem mais aguçado que qualquer um, e sofre com isso. Não há como chegar diante de Holden Caufield arrotando todo o sucesso deste mundo sem ser desnudado das aparências e, depois disso, perceber que sobraram apenas vaidade e arrogância. Caufield ajuda-nos a desenvolver um dispositivo contra a falsidade ao ponto de sentirmos ânsia de vômito ao nos depararmos com os que insistem em dramatizar no teatro das aparências.

Mas o que mais me marcou no livro foi a resposta de Caufield à pergunta de sua irmã - O que você quer ser? Eu também queria, Caufield, ser um sentinela no abismo: Em algum momento, em alguma hora, em algum lugar, impedir que alguém caia no abismo. Desvendar, aos olhos de muitos, a verdade e a mentira, a fantasia e o real. Aliviar a bagagem, alimentar a alma, oferecer descanso. Não deixar que caiam, despenquem. Segurá-los. E você me lembrou disso. Não quero desistir! Obrigado.

segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Vanilla Sky

Atire a primeira pedra quem nunca fez o mesmo!

Sonhar acordado pra fugir do real. Fantasiar como quem toma um remédio pra aplacar a dor do presente.

Não é o mesmo que congelar-se para evitar a morte de hoje e acordar num amanhã onde a medicina já haveria vencido aquela a quem todos tentamos evitar? Acordar, porém, num mundo não mais seu, morto para o que você conhece, conheceu, viveu.

Quantas vezes não submergi na fantasia como uma aspirina contra a enxaqueca pós-fracasso-da-realidade?

E se pudesse voltar?

E se pudesse fazer de novo?

Fechar os olhos e ser PHD, ganhar na mega-sena, viajar o mundo inteiro, realizar-se, ter super poderes, realizar-se de novo.

Viciar-se em olhar num espelho que reflete o que queremos ser - e não o que realmente somos - faz com que esqueçamos de construir o hoje, o agora. Faz-nos esquecer de enfrentar nossos erros, fracassos, encará-los de frente, transformar lágrimas em regozijo de vitória.

Abra os olhos! O céu não é de baunilha - sussurra uma voz! Aqui se ama e se decepciona com o amor, aqui se fazem planos, que dão com os burros n’água, aqui se têm derrotas que deixam marcas pra sempre.

Mas aqui se vive! E vida, vida de verdade, é o que eu quero. Viver o hoje, construindo o agora, na perspectiva do amanhã.

Não se congele! Viva! Somente viva!

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Pégaso preso ao arado

Se é para voar, voemos. Quanto desperdício é um pégaso preso ao arado.

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Só assim

Não vamos fuçar nossos defeitos
Cravar sobre o peito as unhas do rancor
Lutemos mas só pelo direito
Ao nosso estranho amor

Trecho de "Nosso Estranho Amor" - Caetano Veloso

terça-feira, 25 de novembro de 2008

Palavraguilhões

Há palavras que nunca deveriam ser ditas.
Há palavras que na boca de alguns não surtem efeito contrário algum.
Estas mesmas palavras na boca de quem amamos machucam demais.
Não há como sarar a ferida causada pelos aguilhões das palavras: uma vez ditas não voltam mais.
Cortam entre a carne e alma. A ferida sangra até ficar purulenta.
Existe remédio?
Se houver, por favor, me digam.

sábado, 22 de novembro de 2008

Sem explicação

Há dias que possuem todos os ingredientes para serem dias felizes. Grandes dias, até.
mas acabam tristes. Deprimentes
Dias que começam exclamação mas terminam interrogação.
Sem explicação como um time que aos 10 min do primeiro tempo já vence por dois gols, mas acaba perdendo o jogo.
Sem explicação
Sem explicação

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Aniversário da princesinha mais linda do mundo

Carta da minha mãe à sua neta ( e minha sobrinha) por ocasião de seu aniversário

Amada Neta, que Deus te abençoe.

Sei que vc não sabe ler, mas o papai irá ler pra vc. hoje vc está fazendo 3 anos de vida. pena que a vovó não pode estar ai presente, porém, com certeza estarei pelo coração e pelo pensamento. Neste momento quero que se sinta beijada e abraçada por essa avó que te ama tanto, mas tanto que não sei explicar o quanto.
Vc é tão especial que nasceu num dia de feriado para que todos voltassem a atenção só para você e naquele dia vovó se alegrou muito, pois começava a brilhar mais uma estrela na constelação do coração da vovó que se chama ANA JÚLIA. Esperta, cheia de graça, inteligente, graciosa, amorosa, alegre, sorridente, linda: essa é minha netinha querida Ana Júlia. Julinha foi crescendo e foi nos mostrando como é carinhosa, chama a atenção de todos. Ensinou-me uma coisa que eu não conhecia: bala de refrigerante. Fala como uma mocinha com os seus três aninhos. Quando telefono para ela, que ela canta uma canção para mim, é a melodia mais linda que eu já escutei, fala comigo como se eu estivesse com ela. OUTRA CANÇÃO QUE ESCUTEI MAIS LINDA foi quando ela falou pela primeira vez "vovó" e me dei conta de como é bom ser avó de ana julia, a minha netinha Ana Julia, hoje canto parabéns pelo coração.
Parabéns a vocÊ aninha, que Deus te abençoe. Que tu cresças e no teu coração também o amor, a fé e a esperança em Cristo Jesus, pelos teus pais e tua família, e nunca te esqueças dessa vó que muito muito te ama.

A sua vovó Glaucia.

Aprendi a perder

A ditadura do triunfalismo sempre imperou no reino dos adesivos de carro. Dos clichês como "a força da sua inveja é a velocidade do meu sucesso", passando pelas mentiras do tipo "sou feliz por ser ...", até a hipocrisia do "propriedade exclusiva de jesus". Aliás, jesuses não faltam aos adesivos dos carros, que servem como patuás num rito mágico onde se usa um nome de quem não se conhece para se proteger do mal desconhecido. Sempre senti embrulho no estômago com a sessão de auto-ajuda sobre rodas nos dizeres dos "pensadores" do asfalto, que fazem força para passar a idéia de um mundo falso no qual todos são felizes, bebês estão a bordo, casados recém-se-amam, shakes emagrecedores se vendem e as piadas sempre têm graça.
É fácil fugir do que incomoda, varrer os cacos do fracasso pra debaixo do tapete e expor a falsidade das vitórias falsas, o engano das aparências enganosas. Mas aquilo que incomoda nos eleva a uma perpcepção que extrapola o medíocre - e nada melhor que emergir do mar de mediocridade. Vi esta frase num adesivo de carro: "Aprendi a perder, com isso só ganhei". Queria saber quem teve a idéia de pregar esta ode à derrota pra todo mundo ver, e por que? Com certeza esta pessoa tem mais pra dizer e temos mais a aprender com ela. No meio do trânsito, em meio às derrotas e fracassos, muito mais comuns do que mostra a televisão, com suas novelas, e dizem as igrejas, com seu vício de prosperidade, deparar-se com este adesivo é lembrar que "quem sempre quer vitória perde a glória de chorar". Quão diferente não deve ser Vanderley Cordeiro de Lima, o maratonista que perdeu o ouro olímpico ao ser atrapalhado na reta final da corrida e depois do acontecido receber uma medalha de ouro de presente de outro atleta brasileiro? Que experiência não pode nos contar Felipe Massa, que soube o que é ser campeão do mundo de fórmula 1 e deixar de sê-lo em 38 segundos e ver, depois disso, a torcida gritar, eufórica, seu nome? Pense no que um péssimo e frustrado bancário, demitido por causa de seu pífio desempenho, fruto de uma inabilidade inata com vendas e finanças, e que, passou, ainda, pelo baque de ter perdido o dinheiro que investiu numa empresa de produtos pra emagrecer, pode te dizer agora que encontrou a carreira que o realiza, totalmente oposta do que fazia antes? E o que você tem a nos dizer?
Lembre-se do que meu pai sempre me dizia quando eu era guri e ficava bravo quando perdia os campeonatos de pelada aqui da minha rua: "Aprender a perder é bem mais difícil do que ganhar". Quando isto acontecer, somente ganharemos.

Tristão e Isolda

toda dor repousa na vontade
todo amor encontra sempre a solidão

Marcelo Camelo - "Téo e a Gaivota"

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Uma criança

"Ele sentiu um amor inexplicável por aquela moça que para ele era quase uma desconhecida. Tinha a impressão de que se tratava de uma criança que fora deixada numa cesta e abandonada nas águas de um rio para que ele a recolhe-se nas margens de sua cama"

Milan Kundera em "A Insustentável Leveza do Ser"

Meu amanhã

Ela é minha delicia
O meu adorno
Janela de retorno
Uma viagem sideral

Ela é minha festa
Meu requinte
A única ouvinte
Da minha radio nacional

Ela é minha sina
O meu cinema
A tela da minha cena
A cerca do meu quintal

Minha meta, minha metade
Minha seta, minha saudade
Minha diva, meu divã
Minha manha, meu amanhã

Ela é minha orgia
Meu quitute
Insaciável apetite
Numa ceia de natal

Ela é minha bela
Meu brinquedo
Minha certeza, meu medo
É meu céu e meu mal

Ela é o meu vício
E dependência
Incansável paciência
E o desfecho final

Minha meta, minha metade
Minha seta, minha saudade
Minha diva, meu divã
Minha manha, meu amanhã

Meu fá, minha fã
A massa e a maçã
Minha diva, meu divã
Minha manha, meu amanhã

Meu lá, minha lã
Minha paga, minha pagã
Meu velar, meu avelã
Amor em Roma, aroma de romã

O sal e o são
O que é certo, o que é sertão
Meu Tao, e meu tão...
Nau de Nassau, minha nação.

Lenine

Rir um do outro

Se a gente já não sabe mais rir um do outro, meu bem, então o que resta é chorar

"O vento" - Los Hermanos

sábado, 15 de novembro de 2008

Tentando aliviar a bagagem

Tristeza tem vida própria e se aloja cá dentro mesmo que a gente lute contra.
Só restam forças pra pedir que alguém venha, e como numa cirurgia, coloque a mão bem no meio da alma retirando, como quem opera um bisturi com precisão cirúrgica, o peso amarrado nela. Porque tristeza é peso que só se alivia com o descarregar da bagagem. Vou dormir com a mala pesada esperando que ao amanhecer o fardo esteja leve.

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Mãos

Ele não sabia andar com a namorada se não fosse de mãos dadas. Ela já não prezava tanto por isso e preferia até andar sozinha. Eduardo achava que Mônica, com isso, gostava de passar um ar de independência, desprendimento. Quem sabe ela não dava importância pra isso e nem se apercebia (como tantas outras coisas, dizia Eduardo) que ele ficava todo desajeitado ao andar ao lado dela como andam simples colegas? Ele ficava rememorando os momentos que isto havia acontecido: não saia de sua mente as vezes em que iam a uma livraria no centro da cidade e, sempre, ao sair, ela ia à frente expirando desprendimento enquanto ele inspirava descontentamento. Parecia o mito do eterno retorno: mesma livraria, sempre a mesma cena ao sair. Feministas de plantão tentaram convencer Eduardo de que aquilo era puro machismo: Macho dominador querendo marcar território ao entrar e sair dos lugares. Pode até ser, mas lembrava também que nos dias em que chegava à faculdade junto com Mônica e passavam pelo corredor de Administração (famoso por suas beldades), ela corria para se enlaçar nele e "marcar território". Os machistas diziam que essa preocupação era coisa de mulher: Homem que é homem não precisa dessas coisas, diziam. Precisam, sim, pensava Eduardo, e sabia que o culto à arrogância masculina era uma construção da cultura em que vivia e, pairando acima dela - pelo menos tentando -, sabia que precisava disso (a maioria dos machistas também, provavelmente) para entender que entre ele e Mônica havia algo mais que só "tamu junto". Não debatia com os machistas, não adiantava, mas podia jurar às feministas que não tinha essa ânsia possessiva e, como resposta, explicava que o 'dar as mãos' era a última manifestação de carinho ainda não corrompida. O beijo, dizia, não mais demonstrava um compartilhar com profundidade: Quantos não se entregam a uma beijação sem nem mesmo saber o nome do outro? - Perguntava. Não precisava nem se referir ao sexo. Este, ele dizia, já perdeu o posto de "troca preciosa" bem antes do beijo. Mas as mãos dadas, não. Ninguém anda de mãos dadas por aí com alguém que não se tenha divido mais que beijos e abraços. Tem que haver cumplicidade pra conectar dois mundos através dos dedos entrelaçados. Mas Eduardo não convencia as feministas, nem dizia pra Mônica que não gosta da desconexão. Não dizia porque achava que não tinha que dizer. Mãos foram feitas para serem dadas, oras! Eduardo me convenceu com esta história da "última manifestação de carinho não corrompida". Se o mesmo aconteceu com Mônica, eu não sei. Sei que vi os dois juntos andando pela faculdade dia desses. Como vocês acham que eles estavam?

sábado, 8 de novembro de 2008

Amigos Irmãos

E nessa noite ecoa no meu espírito um provérbio antigo que tantas vezes ouvi, mas poucas vezes fez tanto sentido: "Porque há amigos mais chegados que irmãos"

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Como são os Românticos II

Ele se aproximou para sentir seu cheiro. Pousou a cabeça em seus ombros encostando o nariz em seu pescoço: Poderia ficar horas naquela posição. Enquanto ouvia sua respiração, abraçou-a com força para tê-la mais perto, o máximo possível em seus braços. Os braços grandes, dele, não a soltavam e aquele abraço já durava um bom tempo quando ela, de súbito, disse: Posso arrotar agora?

quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Para mim também

"Aquele que se entrega ao outro como um soldado se constitui prisioneiro, deve antes entregar todas as armas. E, vendo-se sem defesa, não pode deixar de se indagar quando virá o golpe. Posso, portanto, dizer que o amor era para Franz a espera contínua do golpe."

Milan Kundera em "A insustentável leveza do ser"

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Não ligou

Acho q sim. Devo estar um tanto sensível pra estar me importando com isso. Mas quem não tem os seus momentos de sensibilidade, não é mesmo? Pra mim eles são bons, pra que eles contrastem com meus momentos de trovão e façam minha balança da bipolaridade pender para o lado que me compraz.

Cheiro de morte e fragrância de vida

O odor acre da morte me invadiu as narinas.
Tento afastar aquela imagem de minha mente, mas ela volta como um pesadelo ininterrupto.
Reproduzo, inconscientemente, a cena em minha mente na tentativa de dar um novo final à história: eu consigo segurar suas mãos na última hora, ou chego perto e à convenço a não se entregar, não saltar pra eternidade perdida.
Os gritos de pavor ainda ressoam. Aquele dia manchado de morte tardou a acabar. Na minha mente aquele dia ainda volta como uma fita quebrada se repetindo intermitentemente.
Ainda não me sinto bem ao andar por aqueles corredores. Não sei se voltarei a me sentir. Parece que as paredes, o para-peito, as pilastras, o vento, tudo denuncia que ali é um lugar de morte.
Procuro o tapete dentro de minha cabeça para jogar esta sujeira pra debaixo dele. Essa faxina vai demorar a ser feita. Esse pó ainda paira na minha mente, e sufoca.
O fio de vida que aqui nos segura é fugaz. Frágil como uma vela na constante iminência de ser apagada pelo vento.
Li uma crônica de Rubem Alves que falava sobre a glória-da-manhã, uma pequena flor que desabrocha ao amanhecer e logo morre no final do dia. Seu objetivo era somente este: encher os olhos de quem passava, ser uma nota importante na partitura da vida, na música de um dia. Se nossas vidas são para a história como um dia, que sejamos como a glória-da-manhã, fugazes, contudo, marcantes. Que vivamos com a fragrância da vida a nos acompanhar, fragrância trabalhada por um boticário que faz um perfume não para uma ocasião qualquer, mas para a melhor delas: o baile da vida. Que todos possam sentí-la pelo ar. Todos ao meu redor. Todos a quem amo. Todos a quem quero deixar marcados por este cheiro, como um aroma que agarra como uma nódoa, uma nódoa de vida.

Texto escrito após presenciar um suicídio no prédio do CFCH, na UFPE. Era quinta-feira pela manhã e as luzes se apagaram.

domingo, 26 de outubro de 2008

Como são os Românticos

O cenário inspirava. O beijo parecia não ter fim. Nem eles queriam que tivesse. Jurava que podia ouvir uma trilha sonora, não a do restaurante, mas a trilha sonora que eles haviam escolhido. Ainda que aquele lugar estivesse lotado, não importava: Tudo estava parado para os dois. Então eles olham nos olhos um do outro e ela diz: Tira a mão do meu sovaco!

terça-feira, 21 de outubro de 2008

Seco


Sinto-me seco. Não consigo escrever nada, pelo menos nada que goste depois de escrito. Procuro a palavra que emociona. Mas como encontrá-la se cá dentro não tem emoção.
Eu estou seco.
Saudade de quando as palavras saem sem precisar pensar muito, como que jorrando, como que brotando.
Mas de terra seca não brota nada. Só o chão seco, rachado, inerte.
Seco
Espero a chuva, pra fazer renascer o verde, pra fazer correr de novo o rio intermitente das palavras.
Não vejo uma nuvem no céu.
Está tudo seco, seco
Seco
Resta-me a prece do sertanejo
"Ó chuva, vem me dizer, que eu posso ir lá em cima pra derramar você"
Resta-me acreditar que amanhã vai chover
Amanhã, então, quem sabe...

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Um domingo daqueles

Um domingo daqueles em que se podia muito bem passar o dia inteiro na frente da televisão sem se dar falta de nada. Começou às quatro horas da manhã pra ver Massa chegar atrás de Hamilton e, praticamente, deixar o título nas mãos do inglês. Isto eu só soube depois né, porque na hora da corrida, acordei, vi a largada, e não aguentei mais - o sono falou mais alto. Despertei de novo pra ver o Brasil ser Hexa no futsal. Jogo perfeito. E como Hexa é luxo, adorei ver a seleção levantando a taça, ainda mais por ter sido diante dos espanhóis (que vestiam vermelho e preto - argh!). Intervalo para ler um pouquinho de Karl Marx e às três da tarde tem início o melhor jogo que vi neste ano, o São Paulo de Rogério contra o Palmeiras de Denílson. Que jogão! Deu empate. Vale ressaltar o show à parte dos técnicos: o carrancudo Muricy versus o chorão Luxemburgo. Saio de casa - enfim - pra passear um pouquinho: Buscar a namorada em casa pra dar uma passadinha numa livraria, chafurdar nos livros, sentir o cheiro de livro novo, verificar as novidades, sentar naqueles sofás, ler, pegar mais livros, ler mais um pouquinho - é sempre um bom programa(apesar de, desta vez, não ter sido tão bom assim - mas isto é outra histórisa. Antes de chegar na casa dela, ligo o rádio e, tenso, escuto o Clássico dos Clássicos. E veio um gol - vibração total ao volante, quase perco o controle. Como é bom vibrar com um gol de nosso time. Foi uma vibração solitária, porém, intensa: Dirigindo, ali, sozinho, abri o vidro, cerrei os punhos e gritei com a alma - Como é bom! No final também deu empate, ao meu ver com sabor de derrota, mas não foi de todo mal. Clássico é pra quem tem coração e esse mexeu não só com o meu, mas com o coração de uma cidade inteira. Fim de domingo, sala vazia, barulho de teclado, rememoro as provas que terei durante a semana na faculdade e já penso no próximo domingo. Não precisa nem ser tão recheado assim. Só precisa ser um domingo pra depois ter o que falar, lembrar, esquecer e, quem sabe, escrever. Até lá!

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Apenas confio

Oração de Thomas Merton

Senhor Deus,
Não tenho a menor idéia de para onde estou indo,
Não enxergo o caminho à minha frente,
Não sei ao certo onde irá dar esse caminho.
Também não conheço verdadeiramente a mim mesmo,
E o fato de que penso que estou seguindo a Tua vontade
Não significa que realmente esteja seguindo a Tua vontade.
Mas acredito que o meu desejo de Te agradar
Realmente Te agrada.
E espero ter esse desejo em tudo o que fizer,
Espero nunca me afastar desse desejo.
Sei que, se assim o fizer,
Tu me guiarás pelo caminho correto
Embora eu possa nem saber que o estou trilhando.
Assim, confiarei sempre em Ti
Embora eu pareça estar perdido
E caminhando na sombra da morte.
Eu não temerei, porque Tu estás sempre comigo
E nunca deixarás que eu enfrente os perigos sozinho.

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Suplício da Suplicy


Quem diria, leitor, que eu estaria torcendo para um DEMo ganhar a eleição? Pois é o que está acontecendo em São Paulo, depois dos golpes baixos desferidos pela candidata do PT, Marta Suplício, a rainha da arrogância. Acostumada a ser colocada como alguém a frente do seu tempo por ter apresentado - como sexóloga que é - um programa sobre o tema, numa época em que este assunto ainda incomodava se exposto de forma pública, desta vez toma uma posição mais do que retrógrada. Marta Suplício, a ministra do relaxa e goza, passou a insinuar na propaganda de sua campanha à prefeitura paulista que Kassab, seu adversário, é homossexual e, por isso, não estaria habilitado a governar a cidade. Se a dama esnobe fosse uma fundamentalista católica, ou uma conservadora evangélica, eu até que entenderia, mas algo assim, vindo de uma candidata que sempre obteve uma votação expressiva do público GLS e que se pretende esclarecida, pegou mal. Muito mal mesmo. Espero que a população entenda que a aptidão de um polítco ao governo vem de sua trajetória pública, de sua capacidade de governar e atrair para si um grupo político disposto a construir um mandato que vise o bem estar público. Não tem nada a ver com a opção sexual. Fica claro que o único objetivo de Marta Suplicy é a vitória como um fim em si mesmo, e, como Maquiavel fez a centenas de anos atrás, separa a dimensão ética da política, comporta-se como raposa e leão, simula e dissimula, enfim, só se importa com uma ética: a dos que vencem a qualquer custo. Bem, resta a mim esta torcida inédita para um candidato do ex-PFL(argh!) ganhar a eleição dando uma boa sova na sua adversária. Que o suplício da Suplicy nos deixe uma boa lição: Enterremos, nós, o preconceito. Prezemos pela ética, sempre.

domingo, 12 de outubro de 2008

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Magra

Por Lenine

Moça
Pernas de pinça
Alta
Corpo de lança
Magra
Olhos de corça
Leve
Toda cortiça
Passa
Como que nua
Calma
Finge que voa
Brasa
Chama na areia
Bela
Como eu queria
Magra, leve, calma
Toda ela bela
Tudo nela chama
Segue
Enquanto suspiro
Toda
Cor de tempero
Cheira
Um cheiro tão raro
Clara
Cura o escuro
Ela
Braços de linha
Dengo
Cheio de manha
Durmo
E peço que venha
Acordo
E sonho que é minha
Magra, leve, calma
Toda ela bela
Tudo nela

domingo, 5 de outubro de 2008

O Oportunista

Hoje, ao votar, me senti num daqueles filmes de ficção científica onde extra-terrestres, após terem destruído vários outros planetas em galáxias distantes, aportam aqui na terra como uma praga de gafanhotos que, de plantação em plantação, vão se alimentado daquilo que foi construído por outros. Já vi gente trocando voto por tudo, de promessa de rua calçada à interesses escusos, sempre se preocupando com o seu próprio umbigo, esquecendo a importância de uma decisão que deveria transcender o âmbito privado para o âmbito da coletividade. Mas na pós-modernidade a coletividade morreu e o super-indivíduo-egoísta-egocêntrico- narcisista-hedonista tem mais de mil umbigos pra olhar. Amigos me disseram que ganhariam tais ou quais vantagens com a vitória do Oportunista. Olhando para eles sempre me vinha à mente a imagem de 45 aves de rapina alimentando-se da carne podre daqueles que substituiram a sua consciência pela mente putrefata da ambição. Vendedores de carne podre: é assim que eu os vejo. O resultado sai hoje. Espero que os extra-terrestres, os gafanhotos e os abutres batam em retirada.

sábado, 27 de setembro de 2008

A felicidade aparece para aqueles que choram.
Para aqueles que se machucam.
Para aqueles que buscam e tentam sempre.
E para aqueles que reconhecem
a importância das pessoas que passam por suas vidas.


Clarice Lispector em "Há Momentos"

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Sinais











Você acredita em sinais?
E o que você diria se eu contasse que o meu ônibus e o dela vêm sempre juntos.
Sempre um após o outro.
Nós vamos para direções opostas da cidade, mas se o ônibus dela aponta lá bem distante,
eu já sei que o meu vem logo em seguida.
O contrário também acontece
Nunca ficamos sozinhos na parada.
Nunca.
Deve haver alguma explicação metafísica pra isso, não?
Um intérprete de sinais poderia dizer que caminharemos sempre juntos,
no mesmo barco.
Em ônibus diferentes, pode até ser.
Mas no mesmo barco.
Poderia significar também que nossas vidas sempre se acompanharão,
mesmo que em direções opostas.
E que em alguma parada dessas daí nos encontraremos.
Ou, sendo cético, foi a coincidência fez a EMTU dar uma mãozinha pra tornar a espera do ônibus mais um momento pra dividir, e somar e multiplicar.
Mas ser cético não tem graça.
Prefiro pensar no eterno retorno das linhas de ônibus,
no vaivém eterno de nós dois.

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Pois é (III)

Pois é
Vou até onde conseguir
e caminho enquanto esqueço que um dia já pensei ser tarde demais
Pois é
o que esperamos nunca se atrasa
a convicção do fracasso foi substituída pela esperança da realização
Pois é
Ainda que os fantasmas do passado venham dizer que não dá
não dá pra ouvi-los
vou até onde conseguir
o sorriso suplantou as lágrimas
a alma plena empurrou pra fora a vazia
o medo foi vencido pelo amor
porque o perfeito amor lança fora todo o medo
Pois é

Pois é (II)

Por Marcelo Camelo

Pois é, não deu
Deixa assim como está sereno
Pois é de Deus
Tudo aquilo que não se pode ver
E ao amanhã a gente não diz
E ao coração que teima em bater
avisa que é de se entregar o viver

Pois é, até
Onde o destino não previu
Sei mas atrás vou até onde eu consegui
Deixa o amanhã e a gente sorri
Que o coração já quer descansar
Clareia minha vida, amor, no olhar

Pois é

Por Chico Buarque

Pois é!
Fica o dito e o redito
Por não dito
E é difícil dizer
Que foi bonito
É inútil cantar
O que perdi...

Taí!
Nosso mais-que-perfeito
Está desfeito
O que me parecia
Tão direito
Caiu desse jeito
Sem perdão...

Então!
Disfarçar minha dor
Eu não consigo dizer:
Somos sempre bons amigos
É muita mentira para mim...

Enfim!
Hoje na solidão
Ainda custo
A entender como o amor
Foi tão injusto
Prá quem só lhe foi
Dedicação
Pois é!

Taí!
Nosso mais-que-perfeito
Está desfeito
O que me parecia
Tão direito
Caiu desse jeito
Sem perdão...

Então!
Disfarçar minha dor
Eu não consigo dizer:
Somos sempre bons amigos
É muita mentira para mim...

Enfim!
Hoje na solidão
Ainda custo
A entender como o amor
Foi tão injusto
Prá quem só lhe foi
Dedicação
Pois é! Então!

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Pra não esquecer

Show de Marcelo Camelo
Coquetel Molotov - 19/09/08

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Das coisas que compartilhamos


Quantas pessoas já viram você chorar? Há momentos, situações ou palavras que ao serem trocadas transformam colegas em amigos, relacionamentos efêmeros em profundos, contatos fugazes em constantes, o gostar em amar, o passageiro no perene. Quando um alguém, ainda que seja só um alguém, vê tuas lágrimas - não de soslaio, mas olho no olho; não acidentalmente ou à revelia de quem chora, mas um chorar realmente compartilhado - deixa de ser um simples alguém para entrar definitivamente na tua história. Quem quer que tenha recolhido as tuas lágrimas recebeu um pouco da tua alma, e pra entrega de alma não há devolução. O momento do derramar de lágrimas é um momento de nudez sem reservas. Nudez da alma. quem já recolheu tuas lágrimas, ainda que vá embora, um dia voltará, porque um substrato da alma sempre volta ao seu todo, ainda que seja no fim, no fim de tudo. Sinta-se um privilegiado ao ver alguém, rendido, chorar sem pudores na sua presença. Recolha reverentemente estas lágrimas. Elas escorrerão para a tua alma e vocês estarão ligados para sempre, porque um dia, estas gotas de alma, ainda que você esteja distante, voltarão com um pouco de você para a sua origem. Nunca esqueça disso

domingo, 14 de setembro de 2008

A ti

A ti

A quem não vejo nem escuto

Mas sinto

A ti

A quem tantas cheguei falando a linguagem das lágrimas e fui compreendido

A ti

Que colocou dentro de mim uma dependência infinita do teu infinito

A ti

Que não tem nada a ver com as instituições que dizem falar em teu nome, pra eles inominável, porém, fácil de dizer para os simples

A ti que me preenches de tudo quando estou no nada

Que quando tropeço não me apontas o dedo na cara

Que sobre mim põe a mão e em cujos braços repousa minha alma

A ti

Que consegue me ver por trás dos trapos

Que acredita por mim naquilo que não acredito

Que não me dá as costas por conta de minhas dúvidas

E questionamentos

Mas neles coloca fé

A ti

Que é poesia, que é música

Que é conversa com amigos ao som do violão

Que é domingo chuvoso abraçadinho com a namorada

Que é rodízio de pizza de graça

Que é Marisa monte cantando uma música de Chico

Que é pão de queijo do meu pai

Café com leite da minha mãe

Que é conversa no msn com meu irmão que tá longe

Que é convite pra sair do meu irmão que tá perto

Que é ligação de amigo dizendo que ta com saudade

A ti

Que é tudo em todos

De quem sou aprendiz

Minha força motriz

A ti

sexta-feira, 12 de setembro de 2008

O que somos


"Dentro de nós existe algo que não sabemos o nome. Esta coisa é o que somos"
José Saramago em Ensaio sobre a Cegueira

Cada página de Saramago é profunda. Faça o teste. Você pode simplesmente abrir ,aleatoriamente, em qualquer uma delas e vai encontrar algo pra ser dito, re-dito e guardado. Saramago coloca na boca de uma das personagens da qual menos se esperava vir tal coisa, a frase acima. A mulher de óculos escuros(sem óculos, na foto do filme de Fernando Meirelles), de prostituta, antes, a filósofa,depois da cegueira, nos faz olhar pra dentro de nós, fazendo-nos perceber que somos tão cegos quanto ela se tornou. Cegos para o que somos, quem somos. Quem somos? Cegos, cegos, cegos...

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Oração a Freud

Freud nosso de cada dia
venerada seja sua teoria
venha a nós o nosso id
satisfaçamos sua vontade
o ego nosso de cada dia nos oriente hoje
perdoai as nossas pulsões e instintos
assim como nós perdoamos os instintos a nós dirigidos
não nos deixeis cair nas garras do superego
mas livra-nos dos traumas e do complexo de édipo
Amém

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Dois Navegantes

Aqui estamos juntos
Ao por-do-sol
Dois navegantes
No mesmo barco

Aqui estamos sós
Ao por-do-sol
Andando lado a lado
No mesmo mar

Não deixes a vela apagar
Nem o mastro cair
Nem a corda prender

Só deixes o vento que solta
Teus cabelos
Espelhos dos meus

Te soprar
E soprar em mim
Pra depois
Deslisar em ti
Deslisar em mi

Ave Sangria

terça-feira, 2 de setembro de 2008

Sou









Só ele pra fazer perceber que o "sou", não é, nada mais, que um "nós" ao contrário.
Se você, leitor, pode dizer, pra quem quer que seja, "nós", você poderá dizer,
e só assim, "sou".

Guarda o teu coração

Sorte no jogo, azar no amor. Diziam os sábios populares. Acho que não. Azar no jogo e azar no amor é mais provável. Porque amar não seria o mesmo que jogar? Ou jogar, o mesmo que amar?
Pobre dos românticos, que acreditam no amor eterno. Vinicius já disse: "Que seja eterno enquanto dure", totalmente cônscio de quão volúvel é o amor. Melhor não amar, leitor. Evitarás as maiores preocupações que poderão te advir. Tu ficas com o amor, faça dele bom proveito. Eu fico com o que disse o sábio: "De tudo aquilo que tens pra guardar, guarda o teu coração".
Mas quedo-me conformado diante de um adversário que não avisa que vai chegar. Entra pela janela, sorrateiro, e tira de nós aquilo que mais prezamos, a racionalidade. Certas faltas a razão não perdoaria, o amor vai lá e perdoa. Certas pessoas nunca nos interessariam, o amor, como quem zomba, vai lá e direciona, justamente para estas, a corrente de nossa vitalidade. Já disse por aqui, amar é vulnerabilizar-se (amarum-vulnerabilisaste-est). E vulnerabilizar-se não é bom. Amar é perder o controle, e isto também ,leitor, definitivamente, não é bom. Só me resta dizer, querido amigo, cuidado com o amor, guarda-te, esquiva-te, procura esconder-se, foge. Ele faz, de um salto, aqueles por ele capturados, de altivos auto-suficientes em frágeis dependentes viciados.

domingo, 31 de agosto de 2008

Que saudade...


Amados ou odiados.
Sempre controversos.
A eles, ninguém é indiferente.
Deve ser por isso que eu gosto tanto.


Los Hermanos

A melhor banda brasileira de todos os tempos

O Casamento Dos Pequenos Burgueses

Ele faz o noivo correto
E ela faz que quase desmaia
Vão viver sob o mesmo teto
Até que a casa caia
Até que a casa caia

Ele é o empregado discreto
Ela engoma o seu colarinho
Vão viver sob o mesmo teto
Até explodir o ninho
Até explodir o ninho

Ele faz o macho irrequito
E ela faz crianças de monte
Vão viver sob o mesmo teto
Até secar a fonte
Até secar a fonte

Ele é o funcionário completo
E ela aprende a fazer suspiros
Vão viver sob o mesmo teto
Até trocarem tiros
Até trocarem tiros

Ele tem um caso secreto
Ela diz que não sai dos trilhos
Vão viver sob o mesmo teto
Até casarem os filhos
Até casarem os filhos

Ele fala de cianureto
E ela sonha com formicida
Vão viver sob o mesmo teto
Até que alguém decida
Até que alguém decida

Ele tem um velho projeto
Ela tem um monte de estrias
Vão viver sob o mesmo teto
Até o fim dos dias
Até o fim dos dias

Ele às vezes cede um afeto
Ela só se despe no escuro
Vão viver sob o mesmo teto
Até um breve futuro
Até um breve futuro

Ela esquenta a papa do neto
E ele quase que fez fortuna
Vão viver sob o mesmo teto
Até que a morte os una
Até que a morte os una

Chico Buarque

sexta-feira, 29 de agosto de 2008

Livre de amarras

Eu gosto dele sem ela. Porque ela o sufoca e o transforma em outro.
Mas é um outro chato, metamorfoseado num passarinho preso numa gaiola.
Não vá, leitor, dizer-me que isto é amor.
Amor não afoga o outro num mar de cobranças paranóicas.
Há, nele, a necessidade de construir uma segunda personalidade quando do lado dela, a fim de manter a insegurança que dela emerge controlada, por um momento que seja.
Ao menor sinal da ausência dela, ele volta a ter aquele magnetismo que atrai todos os seus amigos, e os mais chegados, e os irmãos.
E é aí que eu mais gosto dele.
Sem ela.
Livre de amarras.

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

My blueberry nights

Têm certas noites que a gente não quer que acabem. Não que elas tenham sido tão excêntricas ou grandiosas assim. É que basta um filme nem tão bom assim, comendo um bolo não tão bom assim, com uma coca-cola não tão gelada assim, numa noite de domingo não tão diferente assim, contanto que ela esteja no meu roteiro desde o primeiro take, pra todo o resto ser coadjuvante e a presença dela ser protagonista.

sexta-feira, 22 de agosto de 2008

Amarum vulnerabilisaste est

Amar é vulnerabilizar-se.
Entregar-se à outrem é dar a chave do seu destino. Controlar a nau de nossas vidas é imprescindível, amar, porém, pressupõe a perda da autonomia, pois o que há no mais recôndito de nossa alma passa a ser lido, sem necessidade de tradução, pela alma do outro.
De posse desta leitura, desta tradução, pode o outro conduzir-nos à perdição, à danação. Sim, pode, já que os portões de nossa fortaleza foram abertas e nossa cidade-alma encontra-se sujeita à pilhagem.
Então, não diga que ama. Nunca. Muito menos que ama pra sempre. Porque amar, já o disse, é armadilha. E pra sempre... Pra sempre não existe. Aos que dizem se amar pra sempre, basta submeter o que chamam amor à uma análise micróscopica e poder-se-á ver companheirismo, amizade, cumplicidade, comunhão. Estes sim, sentimentos nobres e perenes, mas o amor que os gregos chamam de eros - não o phileos, o amor fraternal, nem o ágape, o amor desinteressado que tem no divino sua fonte inesgotável - acaba, e nunca de repente, o que é infinitamente pior, pois acompanhar a areia caindo, devagar, no inevitável da ampulheta é anunciar a morte daquilo que definha sem o cheiro do podre, ainda.

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

A metamorfose e o meu enjôo

Gregor virou um inseto e eu passei a ter enjôo ao ler nos ônibus. Nunca tive isso, mas depois de ler Kafka no Camaragibe-Príncipe isto começou a acontecer. Vai entender?
A dor de sentir Kafka tornar-se um inseto e gradativamente deixar de ser filho e irmão para ser, somente, um inseto é nauseabunda, como nauseabunda é a dor de ser inseto para tantos neste individualismo fundamentalista no qual vivemos: Colegas passam a ser concorrentes. No trânsito, preciso chegar primeiro, ninguém pode passar na minha frente. No ônibus preciso entrar primeiro, ninguém pode sentar na minha frente. O estranho pode ser um assassino e a imininência da violência do outro torna tudo competição instintiva pela vida, transforma todos em insetos horripilantes, torna o cotidiano uma sociabilidade do nojo.
Deve ser por causa disso que enjoei.
Argh!

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Trocando em miúdos

Eu bato o portão sem fazer alarde
Eu levo a carteira de identidade
Uma saideira, muita saudade
E a leve impressão de que já vou tarde.
Chico Buarque (Trocando em Miúdos)

Mas era justamente o fraco que devia saber ser forte
e partir quando o forte fosse fraco demais
para poder ofender o fraco.
Milan Kundera (A insustentável leveza do ser)


Eram diferentes demais. Eduardo e Mônica só existem na música de Renato Russo mesmo.
Sim, ele sabia disso, mas estava sozinho e solidão é coisa com a qual ele não sabia conviver.
Bem, ela tava sozinha, ele também, por que não tentar?
Uma vez dentro, percebeu que o mundo dela era tão distante do seu que sentia estar falando tcheco enquanto ela entendia em húngaro, respondia em mandarim e gravava as coisas em russo.
Minha gente! Este negócio que os opostos se atraem é conversa! Não acreditem nisso, pelo amor de Deus! Era o seu mais novo conselho aos amigos.
Não o condenem. Ele fez força para manter o imantível. Sentia-se como um malabarista que via seus pratos, antes bem equilibrados, caindo um a um sem mais ter braços para aparar sua queda. A sensação era sufocante. Queria sair dali desesperadamente mas não conseguia fazê-lo. Sim leitor, ele era covarde, fraco. Desde o primeiro momento sabia que iria dar nisso. Mas atire a primeira pedra quem nunca errou, amou errado, ou amou demais porque tem muito amor guardado; e amor guardado apodrece se não encontrar um coração-destino.
Quando saiu de lá sentiu alívio e cantou, mesmo com o peito dilacerado, zerado de amor, mesmo sem as sobras de tudo, cantou, mesmo sem marcas de amor nos lençóis, cantou, mesmo sem ela ter levado seu Neruda, cantou, trocando em miúdos, cantou.